Luciana Bessa*
Essa semana, ao acessar a página da bol.uol.com.br, me deparei com a seguinte notícia: “Acabou o amor? Casamentos duram cada vez menos no Brasil”. Depois de uma pesquisa rápida, verifiquei que dados do relatório Estatísticas do Registro Civil, apontam que ultrapassamos a marca de 1 milhão de divórcio extrajudiciais, ou seja, realizado nos cartórios, sem necessidade de um processo na justiça.
O amor é sempre um sentimento insatisfeito, mas não acredito que ele se acabe. Apenas se transforma, assim como cada um de nós.
Quando o filósofo Jean-Jacques Rousseau publicou, em 1761, a novela Julie, que contava a história de uma jovem que se apaixonava por um rapaz, mas se casou (obrigada) com um amigo do pai, bem mais velho, o anseio do público-leitor para conhecer, especialmente, entender esse fenômeno, casar por amor, era algo fora do comum.
A historiadora Mary Del Priori, autora da obra História do Amor no Brasil (2005), nos diz que pipocavam notícias nos jornais do século XIX, sobre raptos de noivas nas portas das igrejas. Aos poucos, crescia o desejo do casamento por amor, não por conveniência.
Talvez as pessoas descubram no decorrer do casamento, que apenas amor, embora um sentimento potente e visceral, seja incapaz de manter para sempre duas pessoas, porque para “sempre, sempre acaba”, duas pessoas.
Fico imaginando se criássemos menos expectativas em relação ao outro, o número de divórcios diminuiria com o passar dos anos? Fico me perguntando se fôssemos capazes de desconstruir o mito da “alma gêmea”, seríamos mais felizes amorosamente, por muito mais tempo?
Confesso a vocês que até os 20 anos (talvez um pouquinho mais), eu também acreditava em alma gêmea. Mas aí encontrei Platão – O Banquete – e outros setes convidados que tentaram definir o amor, mas cada um tinha uma concepção completamente diferente do outro.
Um desses convidados, Aristófanes, acabou em definitivo com a ideia de que eu, ou qualquer outra pessoa, seria capaz de encontrar a “metade da laranja”. Segundo o comediógrafo, no início dos tempos, nós éramos seres completos: duas cabeças, quatro braços e quatro pernas. Os deuses com receios de que os homens tomassem o seu lugar resolveram cindi-los ao meio. Como se não bastasse, Zeus teria pedido a Apolo que cicatrizasse o ferimento (umbigo) e virasse a face dos homens para o lado da fenda. Desde então, cada um vive em busca de sua metade. Uns até dizem que conseguiram encontrá-la. Eu, pelo menos, desconfio. Afinal, não há como saber se aquele homem, ou aquela mulher, é de fato a metade de mim apartada.
Isso me fez recordar do poeta e escritor Shel Silverstein, autor da obra A parte que falta (2018), cujo protagonista tem o corpo em formato de um círculo e procura desesperadamente sua metade para se sentir completo. A maestria dessa narrativa acontece quando ele, em sua peregrinação, conhece outras pessoas e lugares, experimenta o toque das borboletas e da chuva e, nesse instante, sente-se feliz em vivenciar prazeres outros. Eis sua conclusão: “Não sou parte de ninguém. Sou parte completa”.
Não sei se amor e casamento caminham na mesma direção, já que posso amar e não casar, casar e não amar. Não sei a fórmula para matrimônios eternos. Não sei se é possível encontrar uma parte que um dia pertenceu a mim. E por não saber nada disso, sigo plena de mim.
Sobre a autora:
Luciana Bessa
*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler