Alexandre Lucas*
Água de cocô, suco de cajá, café, mistura da tarde. Pernas cruzadas. Praça. Leio um diário, comicamente dolorido, entre uma página e outra, bisbilhotando a vida alheia. Anônimos e conhecidos passam.
Poderia ler no sossego de casa, prefiro a rua. Sinto-me acompanhada pelo menos de distrações. Consigo devorar mais páginas, parece contraditório, mas apenas serve para constatar que não existe uma forma única para encarar a realidade, ainda bem.
Leio mais um pouco. A dona do diário reclama da convivência e do enclausuramento. Todos socados em uma mesma casa, sem poder sair, os nervos pincelados com ácido.
Na rua visualizo outros diários. As pessoas não se percebem, saem escrevendo parte do seu dia. O homem sentado no banco da praça não consegue controlar suas mãos que passeiam e apalpam as pernas da negra, seu olhar de quero mais é indisfarçável. A professora passa discretamente e olha cambaleando para o moço da mesa. A vozinha liga para a amiga e conversa sem segredos, a praça toda escuta.
Fecho o diário. Pago a conta e vou escrevendo outras páginas.
*Escrevedor