Luciana Bessa
Adelaide Ivánova é uma escritora do tempo presente, que narra poeticamente o tempo presente, já que suas poesias não permitem que os leitores se esqueçam de acontecimentos atrozes, como: “corpo gay de matthew shepard”, que de tão deformado foi confundido com um espantalho; da morte da travesti “laura de vermont presente!”, “assassinada pela nossa diferença / e pela polícia brasileira…” (p. 17); da delegada, que ao invés de acolher a vítima, questiona, sorrateiramente, se ela “queria mesmo” a instauração do inquérito (p. 21); da escrivã, que ao invés de escrever nos autos, questiona a vítima por que ela bebeu e não gritou (p. 23); que “embaixo da burca / há uma mulher” (p. 32) oprimida por uma religião que almeja conservar o pudor e esconder seus atrativos, como prega o Alcorão.
O Martelo, livro dividido em duas partes, com quinze poemas cada uma, retrata a mulher dentro de um contexto patriarcal, logo, oprimida e silenciada por uma sociedade (em especial pela própria mulher) retrógada e misógina. Duas epígrafes, uma do poeta francês Paul Celan e outra da polonesa Anna Świrszczyńska, cuja obra expõe a temática da maternidade, do corpo feminino e da sensualidade, para além de simples adereços são recursos intertextuais. Vários são os diálogos estabelecidos por Ivánova: Alexander von Humboldt, Anne Sexton, Sylvia Plath, Matildes Campilho, Janus, Zaratustra, Hilda Hilst, W.B. Yeats, Jakob Petrovich Goliadkin, Fiódor Dostoiévsk, Henriette Herz, Karl Marx, Escola de Frankfurt. Diante de tantos nomes, a autora nos convida a conhecê-los e a relacioná-los à sua obra.
O vocábulo martelo, associado à mitologia grega, ao deus Hefesto, divindade do fogo, dos metais e da metalurgia, pode assumir três concepções na obra em análise: 1) poesia com batidas fortes e atuais; 2) ferramenta usada na indústria para se golpear objetos ou pessoas – “serve pra dormir bem
ou pregar pregos” (p. 70); 3) símbolo de potência e representatividade usado pelo juiz, pelos comunistas, por escritores, deuses (Thor) e filósofos, como Friedrich Nietzsche, que definia os seus próprios pensamentos como a “filosofia do martelo”, isto é, derrubar crenças e destruir ídolos.
O Martelo, obra sem pontuação e letras maiúsculas, tinge nossas mãos de vermelho, pois seu projeto gráfico foi pensado para lembrar o sangue de todos os corpos (gays, travestis, mulheres etc.) que já foram martelados, vigiados e punidos por não se adequarem às regras sociais. É uma poesia que nos cobre de aversão a qualquer tipo de violência praticado a outrem. É um protesto por políticas públicas mais amplas e eficazes de proteção a todos, todas e todes. É um lembrete ao respeito e à diversidade.