O modo de ser e de estar no mundo

Luciana Bessa

Somos fruto da “sociedade do espetáculo” (Guy Debord) em que nossas relações acabam se confundindo com mercadorias expostas nas redes sociais. Nesse contexto, a aparência se torna a tônica da existência objetificando e artificializando as relações humanas que deixam de ser vividas em sua essência. Nesta sociedade que cria, edita as regras e os valores é comum o uso de máscaras sociais, como um artifício para se conviver harmonicamente em coletividade, e assim, sermos aceitos e legitimados.

A imagem que o sujeito transmite de si é de beleza, força, benevolência, fazendo com que o outro acredite em suas “boas intenções”, na perfeição de suas palavras. Via de regra, as imagens transmitidas são, na verdade, ficções criadas por outros que não nós.

Ao longo dos séculos, criou-se para a mulher a imagem de mãe generosa e altruísta, esposa extremosa e amante submissa capaz de morrer de/por amor. Vivemos em uma corda bamba entre o “espetáculo” e a “aparência”. Por isso, a necessidade de ser conhecer o “ser no mundo”, o “ser-em-situação”, nas palavras do filósofo Martin Heidegger, ou seja, um ser que resulta de questões naturais, biológicas e culturais, além de sua relação com o outro e com a linguagem em si, um ser que para ser precisa ser levado em consideração sua relação com alguém, com algo.

O modo de ser e estar no mundo é fruto de uma junção de questões biológicas com questões sociais e culturais. É a nossa relação com outras pessoas, outros objetos e com a linguagem que faz ser e estar no mundo.

Entender um ser no mundo é diferente de olhar meramente os aspectos naturais e fisiológicos, mas compreender que cada pessoa desenvolve diferentes significados e valores com o tempo e o espaço. Simplesmente não habitamos o mundo, nos constituímos no mundo. Trata-se de um espaço de constante transformação. À medida que o mundo muda, nos também mudamos, desenvolvemos novas concepções de ser e de estar com o outro.

Para o também filósofo existencialista Jean Paul-Sartre, o sujeito muda com o tempo e a história. Não existe essência anterior que defina nossa existência. Primeiramente, existimos, depois, nos forjamos. A nossa essência, que é de liberdade, resulta de nossa existência concreta.

Embora seja algo obscuro, compreender o sentido de ser e de estar no mundo é um propósito que persiste desde os primórdios da filosofia até os nossos dias, por isso a necessidade do debate.

A maneira de ser e de estar no mundo é própria de cada um de nós, contudo, sobre as mulheres recaem imposições, estereótipos – dona de casa, mãe afamada, esposa fiel, amante submissa – que não permitem que elas sejam integradas ao mundo. Compreender o modo de ser e de estar é importante para saber de fato que somos e para onde caminhamos.

Viver de modo espontâneo e livre é perigoso para as mulheres que precisam criar estratégias para estar em harmonia com o meio e, em muitas ocasiões, preservar sua própria vida. Muitas delas fazem o uso de máscaras e, aos poucos, vão perdendo sua identidade.

Embora estejamos no mundo, nem sempre é possível vivenciá-lo em sua plenitude, já que precisamos nos adequar as normas e os valores que nos são impostos. Ser no mundo, estar no mundo, relacionar-se com às coisas e com às pessoas é um modo único de realização.

De modo geral, a sociedade do espetáculo e da aparência constrói e sacraliza imagens, em especial para as mulheres, colocando-as como: esposas felizes, viúvas melancólicas, amada imortal. Quando elas rechaçam tais estereótipos, quando resolvem ser e viver conforme suas regras, seus valores e seus ideais, são punidas severamente.

Sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)