Luciana Bessa
Você já ouviu falar do Prêmio Luís Gama de Direitos Humanos, instituído pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano de 2022, que revogou a Ordem do Mérito Princesa Isabel, criado pelo seu antecessor, Jair Bolsonaro?
Esse prêmio, entregue bienalmente em anos pares, é concedido a pessoas físicas ou jurídicas, cujos trabalhos ou ações “mereçam destaque especial nas áreas de promoção e de defesa dos Direitos Humanos no País”.
É preciso esclarecer que não se trata de uma honraria criada para os negros agraciar outros negros. A luta antirracista é minha, é sua, é de todos nós. Sou daquelas pessoas que acredito em Martin Luther King, afinal Eu tenho um sonho, e em Nelson Mandela, quando afirma: “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, de sua origem ou de sua religião”. Da mesma forma que somos convocados a odiar, também somos convidados a amar. O que te levaria a escolher a primeira opção?
Desde a infância, apesar das inúmeras pedras no caminho, elegi o amor, porque sempre acreditei ser um requisito justo e necessário para, além do horizonte, encontrar essa tal felicidade. Há também o fato de que sem amor eu nada seria.
Mas quem foi Luís Gonzaga Pinto da Gama? Um nordestinado, nascido em Salvador, no dia 21 de junho de 1830. Filho de uma mulher negra e livre, Luísa Mahín, e de um homem branco, que o vendeu como escravo para pagar suas dívidas de jogo.
Aprendeu a ler e a escrever aos 17 anos de idade, autodidata, tornou-se advogado, escritor e jornalista. Fundou, ao lado do caricaturista Angelo Agostini, o primeiro jornal humorístico ilustrado da cidade de São Paulo chamado Diabo Coxo.
Escreveu também para outros jornais atraindo para si a cólera da sociedade, que não admitia que um negro denunciasse casos de juízes brancos, como foi seu artigo “Foro de Belém de Jundiaí”, publicado no Radical Paulistano, em que expunha a decisão de um magistrado que, após a morte de um senhor de escravos, permitiu o leilão de um ex-escravizado que fora alforriado pelo filho herdeiro.
Gama é, ainda, o Patrono da Abolição da Escravatura no Brasil e um dos poucos intelectuais negros em um país escravocrata do século XIX, que atuou como advogado (gratuitamente) para libertar homens, mulheres e crianças cativos.
Passou, ainda, pela experiência do cativeiro durante 10 anos de sua vida, mas não se permitiu corromper pelo ódio, porque tinha duas pautas mais importantes para lutar: a abolição da escravidão e o fim da monarquia. Contudo, morreu em 24 de agosto de 1882, 6 anos antes de ver seu sonho concretizado.
Em 2018 foi inscrito no Livro de Aço dos heróis nacionais no Panteão da Pátria e, em 2022, o Prêmio de Direitos Humanos foi vinculado ao seu nome. Com uma vida de muitos nãos e exclusões por uma sociedade que teima em dizer que o racismo não existe, seus biógrafos o têm retratado de uma forma passional. O historiador Boris Fausto chegou, inclusive, a declarar que a vida de Luís Gama seria uma “biografia de novela”. Eu, por exemplo, não duvido.
Muitos quiseram criar a narrativa de um Luís Gama como um homem preto, coitado, pobre, sofredor, sem estudos e sem família. A imagem que tenho é de preto, inteligente, crítico, sensível, conhecedor de seus direitos e, que, por isso mesmo, voltou-se contra o sistema escravocrata. Ao falar de si, Gama era enfático: “Não contes comigo, / Que sou pobretão: / Em coisas mimosas / Sou mesmo um ratão”.