Ludimilla Barreira*
Lembro que tinha por volta de onze anos de idade, morava na mesma rua em que a minha melhor amiga na infância, Laura, e, naquele tempo, atender o telefone fixo de casa era a maior diversão. Por isso, nos revezamos nessa tarefa para ter oportunidade de sempre falar com alguém pelo aparelho e quem sabe ter motivos para rir de algum trote, o que era muito normal de acontecer.
Em uma das vezes, ficamos brincando próximo ao telefone da casa dela e finalmente ele tocou, para a nossa alegria não havia nenhum adulto por perto, nem deixamos tocar muito e a encorajei a atender, ela nem precisava de muito incentivo, entre nós duas ela sempre foi a mais atrevida. Para nossa surpresa era uma ligação errada, nem lembro quem aquela pessoa procurava, mas como éramos muito falantes estendemos a conversa. Engraçado que hoje eu tenho verdadeira ojeriza a atender qualquer tipo de ligação, mas naquele momento protegida pelo anonimato do telefone e incentivada pela minha curiosidade, conversei com o outro lado da linha sem nenhum pudor.
Eu e Laura, esquecidas na sala, alternamos na ligação e tagarelamos durante muito tempo e anotamos o telefone do jovem rapaz, aparentemente mais velho que nós duas. Ele disse que ligou para esse número para passar um trote, por isso, não lembrava as teclas discadas. Ficamos com medo de dizer nossos telefones e combinamos de retornar quando fosse possível. Ele disse que esperava nosso retorno.
Esse papel com o número do rapaz era guardado como um tesouro, alternando na posse de uma e da outra. Nós duas estudávamos em horários alternados, mas no final da tarde sempre nos encontrávamos na calçada para discutir sobre como tinha sido a conversa com ele, pescando pistas do que ele falou e elegendo assuntos para tratar no próximo contato, caso conseguíssemos pegar o telefone sem que nenhum adulto percebesse. Eu já dava sinas de que gostava de uma reunião de alinhamento, com um planejamento bem elaborado das ações.
Alguns meses passaram, até que nas férias escolares a minha mãe, por pura necessidade, precisou me deixar sozinha por um período em casa. Foi um sonho! E, o momento perfeito para executar nosso plano. Mas, Laura foi passar as férias na casa da tia e me deixou sozinha com o bilhete em que anotamos o número. Ela me proibiu de ligar enquanto ela estivesse fora, mas ela sabia que seria muito difícil eu cumprir o combinado, por isso, autorizou de malgrado que eu tentasse uma única vez, se desse certo eu precisava escrever tudo que conversei com ele, pois, ela tinha que ficar por dentro de toda a conversa.
Sempre fui subversiva. Acho que nasci com uns alguns pontos imutáveis, às vezes tento ser obediente, mas por dentro de mim sempre teve um vírus anulando todos os pensamentos que me mandavam ser exatamente como as pessoas esperavam. Então, eu liguei.
Sobre a autora:
Ludimilla Barreira
*Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.