Os dois dedos na garganta

Alexandre Lucas

Engasgou-se com alfinetes. Tarde de domingo, os lençóis secam ao sol. A criança vai para algum lugar, pendurada no tuntum do pai. O bar tocava a música de retalhar corações; duas mesas e olhares perdidos se encontravam por ali. Na calçada, o senhor de cabeça branca limpa as unhas dos pés com uma peixeira, enquanto, no pé da porta, a mãe catava os piolhos da filha. Os vestígios das pipas balançam presos nas árvores, e os meninos sobem para colher azeitonas.

A paisagem é uma calmaria. Engasgado, no último andar: portas fechadas, janelas abertas. Um blues para acalmar e esconder a agonia. Os alfinetes travam as palavras, furam a garganta.

Alguém bate na porta — é o vendedor de orações. O silêncio responde; o vendedor segue outro caminho.

Engasgado, enfia os dois dedos na garganta, cospe sangue e fala ofegante:
— Meu Deus!

Sobre o autor:

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.