Luciana Bessa
O dicionário me ensina diferentes palavras para o turbilhão de sentimentos que teimam em existir dentro de mim. O calendário me mostra como posso desfrutar melhor “um dos deuses mais lindos” e mais temperamentais, o tempo.
Neste último acabo por descobrir datas comemorativas que, confesso, me passam despercebidas, como foi o Dia da Liberdade de Pensamento, 14 de julho, em que ocorreu a queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa, em 1789.
Aos que esqueceram e/ou ainda não tiveram essa aula de História: a Bastilha era uma prisão, símbolo do Antigo Regime francês. Quando o povo, oprimido até não suportar mais, tomou-a, ele proferiu seu grito de liberdade.
Base da existência humana – “Penso, logo existo” – nos diria René Descartes em [seu] O Discurso do Método, o pensar, ou melhor o livre pensar, é a garantia que todos nós temos de manter e defender nossas ideias em relação a um determinado fato.
Os artigos 18 e 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, é incisiva ao afirmar que “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento…”, assim como “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão…”. Infelizmente nem tudo aquilo que está posto na lei se confirma na prática.
As artes brasileiras sofreram nas últimas décadas por defender ideias, como liberdade e igualdade. No Estado Novo, governo centralizador e autoritário, que se estendeu de 1937 a 1945, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão subordinado diretamente ao então presidente da República, Getúlio Vargas, para exercer o controle sobre os meios de comunicação. Como se não bastasse também havia o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), subordinado ao Departamento Federal de Segurança Pública, encarregado de fiscalizar e censurar as execuções públicas em território nacional.
É sabido que durante as décadas de 1960 e 1970, ou simplesmente “os anos de chumbo”, grandes nomes da música brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e Raul Seixas foram censurados e perseguidos
Saindo de um estado ditatorial e vindo para um estado democrático de direito, a metralhadora do governo de Jair Bolsonaro concentrou-se na Cultura (tal qual Vargas), atingindo artistas, gestores públicos, pesquisadores, mercado editorial, etc. Somando a isso, os livros foram taxados impossibilitando que as camadas menos abastadas tivessem acesso, como recolhidos das escolas e feiras literárias.
Em 2019, parlamentares, a exemplo do vereador Clayton Silva (PSC), por meio de suas redes sociais, comunicou que fez um requerimento à Secretaria Municipal da Educação de Limeira (SP), questionando o uso e a distribuição do material para estudantes de 10 a 11 anos, como é o caso da obra A Bolsa Amarela (1976), da escritora Lygia Bojunga, um clássico da literatura infantojuvenil, mas que em sua visão não passava de “lixo ideológico”.
Nesse mesmo ano, no Rio de Janeiro, o então prefeito, Marcelo Crivella, mandou recolher da Bienal do Livro os exemplares do HQ Vingadores, a cruzada das crianças (Salvat) e outros por alegar ter “conteúdo impróprio”. O youtuber Felipe Neto comprou todo o estoque dos principais livros com temática LGBT e os distribuiu para pessoas não “atrasadas, retrógadas e preconceituosas”.
Em Rondônia, no ano de 2020, quarenta e três livros foram retirados das escolas por conterem “conteúdos inadequados” para crianças e adolescentes, como é o caso de obras de Machado de Assis, Ferreira Gullar, Rubem Fonseca, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues, Franz Kafka etc.
Vou parar por aqui, porque a lista é grande. Parlamentares, que pouco ou nada leem, se arvoram do direito de dizer o que eu posso ou não ler, a partir de sua falta de conhecimento, de diálogo e de não respeito aos direitos humanos.
Nós podemos falar de tudo. O que não podemos é ser racistas, homofóbicos, intolerantes, antidemocráticos ou manter qualquer forma de preconceito disfarçada de opinião. Alimentar o discurso de ódio contra as minorias, incitar a violência contra a mulher e/ou ao idoso, pedir a volta da Ditadura, espalhar Fake News, difamar e caluniar o outro, para além de ato desumano e repugnante, é criminoso.
É preciso “liberdade de pensar”, “liberdade da expressão”, “liberdade da escrita”, “liberdade da palavra”, acima de tudo, “liberdade para a diversidade e a pluralidade”. Liberdades são bases para as Democracias.