Fabiana Lima*
“Especialmente para quem nasce com a pele que eu nasci” mistura consciência de raça, classe e amor em 59 poemas que mostram a potência da poesia periférica contemporânea
Entre tantas adversidades que pessoas pretas enfrentaram, num passado de ferro, Especialmente para quem nasce com a pele que eu nasci, obra de estreia do poeta Santos Drummond, é um livro de poesias que traz relatos que traçam novas possibilidades de forjar o presente, novas maneiras de amor, acolhimento e carinho, a alegria da superação e, com elas, as conquistas.
Dividido em três capítulos: Fome; Café expresso; Arroz, Feijão, amor e carinho, o autor descreve essa trilogia como a síntese da sua trajetória. Em versos poéticos, Fome, ao mesmo tempo que assume o caos pela ausência de algo, manifesta a vontade voraz por vencer. Em linhas gerais, seria compreensível pensar que essa ausência é a força motriz, mas o que na verdade produz essa vontade, é a lucidez.
Nas palavras de Santos “é um capítulo que fala sobre questões um pouco mais duras”, de uma fome que não é de comida “mas todas as possibilidades de metáforas que a fome está envolvida, associada à dor, a uma falta, a um anseio de que […a vida..] seja diferente”, pontua.
Algumas verdades precisam ser ditas, mesmo que doam, talvez a poesia possa aparar essas lanças pontiagudas da verdade, nesse caso, um Café expresso é uma boa pedida. Nesta segunda parte do livro, o autor dispensa fantasias e sem rodeios compartilha suas impressões sobre política, exclusão e o genocídio da população negra periférica. “A poesia curta é um café expresso, uma coisa de pouco volume e muita densidade e que pode te deixar acordado por mais tempo e um pouco mais atento”, explica.
Poderia ser apenas seu olhar subjetivo, mas, ainda que uma parcela discorde de suas impressões, parafraseando sua própria poesia Escrevivência (neologismo criado por Conceição Evaristo), é um espelho onde o leitor é conduzido, inevitavelmente, a se olhar. A diferença é que, depois de um gole de café, ele pode revelar o opressor ou o oprimido que o habita.
Já, Arroz, feijão, amor e carinho mostra o sonho do oprimido de preencher essa falta materializada na poesia que dá nome a última parte da obra, e traz o simples do cotidiano, vivido singularmente e expresso por Santos Drummond, mas que poderia ser tangível a qualquer um, porém, na experiência de pessoas que nascem com a pele que ele nasceu, vira extraordinário.
Falar de amor enquanto uma pessoa preta, por não estar num lugar comum, figura uma zona de experimentações que diz, não somente sobre o cultivo desse sentimento, mas também sobre a incapacidade que a sociedade tem de amar pessoas pretas.
Essa questão resvala em tudo, inclusive na auto permissão de escrever sobre o tema. O autor entende isso, quando esbarra na experiência de outro homem preto, o poeta Akins Kintê, cujo amor é assunto frequente de suas poesias. “Isso abriu um caminho para que eu conseguisse enxergar em mim algo que sempre existiu, que é afeto, amor e outras coisas. E não só enxergar em mim, como transformar em palavras e tocar as pessoas através dessa parte também”, fala Santos.
Sua obra é um item essencial na prateleira de qualquer um, “o livro é para as pessoas negras se sentirem representadas e as pessoas brancas entenderem o lugar de coadjuvante que elas têm quando o assunto for negritude”, defende o ator.
O autor já publicou outros quatro livretos de forma independente, os quais vendeu quase dez mil exemplares na rua. Pela primeira vez, esse ano, tem um livro lançado pela editora Baderna, pelo projeto A poesia é compromisso, do coletivo Slam do 13, que tem apoio do Fomento à Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
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Fabiana Lima – 11 979674504
Sobre a autora
Fabiana Lima
* Poeta e Slammer