Resido numa casa de linhas

Alexandre Lucas

Mainha e painho costuram. Sempre quis costurar; até tentei, mas as linhas se embolavam. Vi tecido e couro sendo atravessados por agulhas, recebendo o abraço das linhas. Comi da costura.  

Ainda é tempo de aprender. Mainha costura menos agora — a idade exige cuidados, já não precisa das madrugadas para sobreviver, está aposentada. Painho, inquieto inventor, hoje costura mais ideias que couro.  

Parece que a gente está sendo descosturado e costurado ao mesmo tempo. A vida é uma máquina de costura: às vezes a bobina engasga, a linha emperra. A agulha nem sempre obedece à nossa mão.  

Vesti e calcei a costura de mainha e painho. Escrevo versos como quem solta pipas — dou linha, puxo, apareço e desapareço no céu, mas sempre impregnado dos fios de Dona Lia e Seu Raimundo.  

Na bolsa de couro que carrego todos os dias cabem o corte e o trançado possível das linhas, as memórias das agulhas do sapateiro e da costureira. Levo a costura como farol de bordados para manhãs escuras e noites encadeadas. Os caminhos áridos e as primaveras gritam e calam as costuras.  

Mainha e painho costuram.