você perguntará por que cantamos
se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro
você perguntará por que cantamos
cantamos porque o rio está soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino
Mário Benedetti
Há exatos cinquenta anos, o verde oliva tomara conta do pavilhão nacional e jovens eram caçados pelas ruas e campos sob a mira das baionetas. Do outro lado do muro, resplandecia a Era de Aquarius, Hippies substituíam as imagens da Guerra e propunham, no lugar, o contorcionismo do Kama Sutra. Ao cru preto/branco da realidade impunha-se o psicodelismo das viagens astrais. Jovens despiam-se ao ar livre, em Woodstock, contrapondo-se à finesse das madamas que chacoalhavam suas joias em Manhattan. Em Paris, estudantes depredavam as lojas chics e os carros de luxo, pensando em construir por cima um mundo mais respirável. Como uma pedra atirada no rio, ondas concêntricas aos poucos foram se espalhando e chegando às margens distantes e convulsionando a paralisia e a inércia então existentes. Como se um vagalume aos poucos acendesse seus pares ao derredor e o breu da noite fosse iluminado pela bruxuleante luz, que não tinha o poder de acabar com a treva, mas possibilitava entender o quanto de escuridão existia ao redor.
No Cariri, tocados por essa onda, jovens buscaram a Arte como instrumento para construir um mundo novo. Uma realidade própria que fugisse do determinismo histórico, por projetos traçados por gerações anteriores, que, agora, banhadas nas águas de Aquarius, cobriam-se de bolor, de mofo, sabiam insulsas e insípidas . Explodiu, essa onda vicejante em plataformas como os Festivais da Canção do Cariri, o Jornal Vanguarda, o Folha de Piqui, o Grupo de Artes Por Exemplo e os Salões de Outubro que, agora, retorna já cinquentão.
Esse momento é, sim, uma celebração desse tempo e de toda uma geração de guerreiros que lutaram destemidamente por melhores frutos brotados e degustados da Árvore do Bem e do Mal, mesmo sabendo do risco reiterado da expulsão dos Jardins do Éden. Geraldo Urano, Abidoral Jamacaru, Rosemberg Cariry, Luiz Carlos Salatiel, José Nilton Figueiredo, Hermano Penna, Ronaldo Brito, Bola, José Roberto França, Emerson Monteiro, Pachelly, Deca, Assis Sousa Lima… para citar apenas alguns. A maior magia deste instante, no entanto, está na percepção de que a onda imantadora daquele Fiat Lux original continua reluzente e pulsante nas novas gerações de caririenses que nesses dias atapetam as paredes e muros dessa cidade com poemas, filmes, pinturas, fotografias, contação de histórias e música. Conjugamos hoje não apenas o verbo criar no passado, mas no presente e no futuro do indicativo.
Basta olhar ao redor e ninguém precisará perguntar porque cantamos. Cantamos porque esse rio e suas ondas continuam soando há cinquenta anos e quando soa o rio, soa o rio e, com ele, o universo soa e ri.
Bem vindos ao Salão de Outubro 50 Anos !
Luiz Carlos Salatiel – OCA : Officinas de Cultura e Artes