Alexandre Lucas
O espelho grande cabia o seu corpo. Nua, desembaraçava o cabelo, depois de uma guerra de prazer. Encarava o espelho como se estivesse pagando a conta de um jantar ruim e caro. Olho no olho, alguns desvios para o copo com sobras quentes de vinho. Sua cabeça doía como se tivesse um sino badalando. A louça ainda dormia na pia.
O café para fazer, amargo e forte. As cinzas de incenso estavam espalhadas na penteadeira. A estátua quebrada na beira cama, Santo Agostinho, tinha se partido com suas contradições. Os lençóis molhados exalavam cheiro forte e um clima abafado. Ela nua penteando os cabelos. A casa vazia como o sexo da noite anterior.
A língua seca de quem passou a noite revirando os olhos, um pouco de água. A idade já não permitia tantas travessias. Aos pentear os cabelos retirava as lembranças secas de uma noite mal paga. Lia Pagu e Neruda para compensar as lacunas ou se enganar, talvez para nutrir a ternura.
Sobraram algumas moedas. A felicidade continua adiada. Os seus cabelos se refazendo constantemente. Hora de limpar a casa, se perder no poema azul como o céu e o mar, além de pisar em terra firme com o corpo nu.