Por Alexandre Lucas
Acabei de almoçar, a companhia estava mais deliciosa do que o almoço. Cozinho pouco e, de vez em quando, acerto. O meu amor veio só almoçar, é uma raridade almoçamos juntos: hoje foi um dia de sorte. Quando ele saiu, fui para varanda, assistir de camarote com as roseiras o carnaval da comunidade.
Por aqui a calmaria se apresenta, dando sinais de desconfiança. Vou recolhendo as imagens: um gato branco com heterocromia caminha lentamente, as crianças se melam com goma, os lençóis amarelos da vizinha estão estendidos no varal da rua, nas calçadas as senhoras de cabelos brancos tricotam conversas.
Os carros e motos da polícia militar desfilam pelas ruas. Os policiais fazem pose para serem fotografados com armas em punho e rostos de perversidade, enquanto dispensam gentilezas. Os moradores fingem normalidade e mudam o ritmo da dança.
O casal sentado à mesa bebe os desgostos da vida, olham, sem conversar para horizonte, enquanto escutam uma música que é uma mistura de curto-circuito com aeróbica sexual; suas crianças brincam de se melar, tacam goma umas nas outras.
O som está insuportável. É preciso gritar para conversar, mas é carnaval, as pessoas parecem que querem dançar, mas continuam sentadas. Questiono-me sobre a função do som alto disparado das calçadas.
Escuto a batida do martelo: é o vizinho ampliando o seu comércio, se preparando para os próximos carnavais.
Saí do camarote e percebi que a vida continua, apesar dos carnavais.
Escrevedor*