Alexandre Lucas
Acabei de tomar banho e os pensamentos continuam sujos. Sobram dois dedos de vinho, mas já estou embriagada sem beber. Abro a boca, é sono mesmo, quero resistir, mas me faltam forças. A vizinha diz que, se a noite for boa, a manhã será maravilhosa, faz sentido, mas não é uma regra. A outra vizinha diz que o dia de amanhã a Deus pertence, deve ser por isso que o dia de hoje está esse inferno, porque só amanhã será de Deus.
Hoje estou flertando com as minhas interrogações. Nada mais. Sem paciência para jogos de cartas, sempre perco. Os dois dedos de vinho estão me esperando, um compromisso que não tenho.
Hoje é sábado, exatamente sábado, dia em que o prazer bate pernas e a noite não dorme. Eu, já não faço parte desta paisagem, estou intocada dentro dos meus medos e com um liquidificador na barriga.
A memória pia cheia de mentiras que guardo como verdades. O velório foi ontem, doeu como chicotadas. Amanhã queimo tudo, já tenho lembranças que ocupam muito espaço. Ele era bom, é o que aprendemos a dizer, quando o sujeito morre, se enterram pecados. Sempre sobra algo, aqui sobrou dois dedos de vinho.