Ando nu pelas manhãs
Alexandre Lucas
Passou a noite remoendo as páginas de um livro velho, roídas e amareladas, temperadas por traças e fungos. O livro trazia receitas, mas pouco importava o que ele continha; entrar na contramão dos pensamentos era mais urgente.
Escreveu durante a madrugada, umedecendo e atravessando os papéis. O livro velho servia de encosto. Espremia a velocidade da dor nas folhas.
Amanheceu frio e ventoso. Onze páginas na mão, uma carta para não ser entregue. Releu, acendeu um incenso de rosa branca, tirou os óculos para enxugar as lágrimas. Tocava Coragem de Castello Branco, baixinho.
Onze páginas na mão, procurava os erros que a gramática nunca encontraria. Diante da varanda, avistava o verde das folhas da chapada. Os pássaros cantavam e bicavam a banana pendurada no telh...