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Dia das Crianças no Gesso: uma festa política para a classe trabalhadora
Cultura

Dia das Crianças no Gesso: uma festa política para a classe trabalhadora

Alexandre Lucas Existe algo de diferente no Dia das Crianças no Gesso? Essa pergunta pode ser norteadora para repensar metodologias pedagógicas e políticas de organização popular. O Dia das Crianças no Gesso é realizado desde 2009, na cidade do Crato, a partir da iniciativa do Ponto de Cultura Coletivo Camaradas. A localidade é a principal área de atuação dessa organização de esquerda de viés marxista, que funciona como laboratório social para experimentar a relação entre teoria e prática no campo da democratização estética e artística, da educação ambiental e da luta pelo direito à cidade. O Dia das Crianças, enquanto evento, é uma ação bastante comum em escolas, organizações da sociedade civil e iniciativas coletivas e individuais nos bairros. São normalmente...
Quando uma criança nasce
Literatura

Quando uma criança nasce

Alexandre Lucas Beijo o útero como partilha do verso e massagem da carne. As cores se mesclavam no final da tarde, entre bandeiras e fantasias, batuques e algodão doce. Pulos, carreiras e brincadeiras. As crianças: poesias andantes. As ruas, banhadas de canções de amor. Seus olhos brilhavam. Observava a menina negra que carregava uma sacola com bombons, quase do seu tamanho. Fotografava a vó e o seu neto. Lançou um sorriso-abraço ao conhecer a costureira que acompanhava o filho. Fez-se noite. Costurou a pele com os seus dedos macios. Fez bordado com fios de leveza e cumplicidade. Acendeu chamas e tocou uma valsa para ser sentida no balanço da rede. Manhã. A renda borda seu corpo espreguiçando bom-dia. Tuas unhas, pintadas durante a noite, preenchem a delicadeza dos teus dedos. ...
O mar é violento
Literatura

O mar é violento

Alexandre Lucas Desesperadamente, escreveu cem cartas de amor. Acabara de conhecer o mar. O mar é imenso, é fundo, é calmo, violento. O mar e o amor já não cabem na mala. O pequeno homem está de passagem: toca a terra, sente a água, brinca com as conchas. O pequeno homem acredita que o mar está cantando para os seus ouvidos. O vento revolta as águas e faz barulho; o mar não canta. São intervalos de ilusão, enquanto o pequeno homem procura os céus de cabeça enfiada no chão. Pega as cem cartas e faz barquinhos. O mar derruba as cartas. O pequeno homem, já distante, lê Neruda, que morava de frente para o mar e teve muitos amores. O pequeno homem escreve novas cartas, mas não aprendeu a nadar, cuida de uma roseira e teme que o mar acabe com o mundo. Sobre o autor: Alexand...
Estrelas em vasos de olhos
Literatura

Estrelas em vasos de olhos

Alexandre Lucas O vento sacudia as folhas. A varanda estava escancarada. Pela primeira vez, estendera uma esteira vermelha e almofadas de fuxico no chão. Olhava para os céus, limpos, e nos seus olhos, estrelas que me faziam dançar. A noite curta não cabia na canção. Iluminado, seguia a noite. Tecia na tua boca a confidência das estrelas, enquanto arrancava os ponteiros do relógio e paralisava os instantes. Cada momento, cada hora, parecia três segundos — menos que isso. Pela manhã, após o café tomado com estrelas e torradas, pinturas e flores, e adoçado com abraços, fechamos a varanda e deixamos os pássaros ventando o horizonte. Abrimos a porta, convocamos a manhã para o bom-dia. Saímos clandestinamente pelas ruas, guardando histórias que só nossas estrelas conhecem. Na esqu...
A mulher do sonho
Literatura

A mulher do sonho

Alexandre Lucas Desfilava de biquíni, tinha uma tatuagem na coxa e balançava um sorriso. Deviam ser três horas da manhã; acabara de lembrar do sonho. Uma sensação de alegria ao ver aquele corpo ousando desafiar os seus limites. Gorda demais, magra demais, e meio-termo era sempre insatisfação para aquela mulher. No sonho, porém, ela parecia exibir volumes de contentamento. Os sonhos que se têm dormindo não são escolhidos. Aquele, em particular, poderia ser excluído da lista dos desejados. Aquela mulher — desfilando de biquíni, tatuagem na coxa, balançando um sorriso — seguia como uma estranha. Não estava para além do mar nem das estrelas; só a encontrava nos sonhos e, inesperadamente, nas lembranças. Os sonhos que se sonham dormindo bem que poderiam ser escritos. Escreveria toda...
A foto do buquê de rosas
Literatura

A foto do buquê de rosas

Alexandre Lucas Olhos de paixão e cansaço. Boca flácida, como se esperasse um beijo ou o espanto. Cabelos de fogo e um buquê enorme, rosas vermelhas tapando os seios e a garganta. O trem ao fundo parecia partir. Era a paixão esfumaçada, numa foto posta no varal da economia. O coração é uma flor triturada pelas máquinas de moer gente. As mesmas que trituram o vento e o tempo de aprender a amar. A foto já se perdeu entre a velocidade e a memória. As rosas vermelhas se plastificaram. As roupas escondem a verdade das formas e a sinceridade das primaveras. Já cancelei o prazer e o pôr do sol; as máquinas não me deixam sair, fabricam sorrisos estáticos despachados pelas telas dos celulares. Estão por todos os cantos: nas vitrines de maquiagem, nos supermercados e nas casas de carne, ...
Sequestra-me
Literatura

Sequestra-me

Alexandre Lucas Ainda resta a noite para descobrirmos a dança. O café que marcava nossos encontros de manhã transformou-se no vinho da lua. Sequestra-me o tempo. Assopra as estrelas e embebe as palavras de perfume. Deixa que o blues nos vende os olhos. Dança com as luzes apagadas para sentir a delicadeza do vento e do calor. Traz a calmaria à meia-noite. Descansa teu corpo sobre as lembranças. Permite que o cheiro invada tua imaginação. Pela manhã, lembra-te da dança, dos passos improvisados, e atira flores contra os templos cinzentos até que desabem. Sobre o autor: Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.
Mundinho da segunda-feira
Literatura

Mundinho da segunda-feira

Alexandre Lucas Não existe nenhuma combinação. Toda segunda-feira, no início da tarde, Seu Mundinho chega. Passos lentos, carrega uma sacola com a feira da semana. Pede uma cerveja, senta na mesa reservada. Vai ao banheiro, abre a carteira e vê quanto ainda resta. Mundinho me acena, chama-me para a mesa. Pergunta o que quero beber; tomo da mesma cerveja. Percebo que a maior sede dele é beber olhando nos meus olhos, como quem quisesse devorar meus sorrisos e sentir meus dedos massageando os calos de suas mãos. Parece que só isso basta. Só sei que, há anos, Mundinho nunca falta às segundas-feiras. Imagino que uma segunda-feira sem ele teria cara de feriado. Mundinho sempre deixa um agrado. Já deixou bombons, brincos e sementes de jacarandá. Parece um menino apaixonado, bobo, de o...
Janelas, flores, pregos e marretas
Literatura

Janelas, flores, pregos e marretas

Alexandre Lucas Pelas manhãs mais fubacentas, pendurava os olhos sob a janela para pescar flores e ler poemas escritos com pregos e marretas. Ancorado na janela, voava até as estrelas e se estacava no mar. Levantava o tapete do chão e via o mundo se mexendo; nada estava morto. Levava a janela para cada viagem. Colocava-a na parte mais íntima dos seus lugares: no quarto, no banheiro e na escola de samba dos seus pensamentos. Flores, pregos e marretas insistiam em aparecer nas suas janelas, como o dia e a noite sempre aparecem. Certo dia, bateram na sua janela e a chamaram para dançar. Dançou de olhos fechados, como quem sente o gosto do doce lentamente. A dança durou três minutos. Depois, o batedor de janelas sumiu. Na manhã seguinte, os olhos estavam pendurados, pescando ...
Manhã, pão de coco, beijo doce
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Manhã, pão de coco, beijo doce

Alexandre Lucas O rio passava no meio do asfalto, e as flores ousavam nascer. O tempo era quente; setembro de muriçocas e de calor. As estrelas brotavam dos olhos, enquanto a lua acendia a cachoeira dos poetas. A dança da noite costurava os retalhos de brilho e esperança. Pétalas brancas amaciavam a rigidez do asfalto. Do megafone, anunciava-se, no pé do ouvido da noite, os versos traquinos de felicidade. Manoel de Barros e Pablo Neruda passaram a madrugada escrevendo inventices e mares de prazer. — Bom dia — pronunciava a flor, contorcendo-se, esticando os braços como quem quisesse abraçar as nuvens e ninar o mundo. Absurdo criar versos de ternura para jogar no baú e trancá-los no silêncio. Abram as noites para cultivar as manhãs com pão de coco e beijo doce. Sobre o autor:...