Tag: Alexandre Lucas

Escola Pública como farol para políticas de editais culturais
Literatura

Escola Pública como farol para políticas de editais culturais

Alexandre Lucas A política de editais no campo da cultura tem sido uma das principais formas de viabilizar o acesso a recursos públicos para o fomento cultural no país. Entretanto, tais recursos ainda estão distantes de atender às demandas sociais. A relação entre o que é ofertado pelo Estado e o que é demandado pela sociedade apresenta um contraste que evidencia nossa distância de um "SUS da Cultura" — objetivo que não deve ser descartado, mas, ao contrário, reforçado. Estamos em um processo político e jurídico para fazer a engrenagem do Sistema Nacional de Cultura funcionar com a responsabilização da União, dos estados e dos municípios. A Lei Aldir Blanc I, a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) são exemplos desse processo em curso, alinhadas à regulamentação do ...
Casas de sopros
Literatura

Casas de sopros

Alexandre Lucas Mergulhar no sol seria mais fácil quer mentir. Trair-se é um ato doloroso. Antes de iniciar a batalha, Pablo Neruda é lido – Para Nascer nasci. Intenso e cheios de códigos, desbravava o desejo de viver. Mainha está distante, Neruda nas mãos. Não saberia dizer o quanto a ama, mas queria a intensidade das palavras do poeta para embalar o seu amor, ou simplesmente, um abraço silencioso de quarenta e seis anos. Não seria o suficiente. Painho acordou cedo, feito menino, foi comprar um brinquedo para gente grande – uma máquina de chanfrar couro. Ainda sonha em calçar pessoas. A máquina de chanfrar serve para amolecer o couro, dar poesia no gingado da pele morta. O filho, norte e poema maior, tem seu jeito próprio de declarar amor. Hoje, não almoçou com o pai, mas já t...
Camisa engelhada
Literatura

Camisa engelhada

Alexandre Lucas Acordou às duas horas, achando que já eram quatro. Tentou em vão dormir novamente, reboleou na rede, mas nada de pregar os olhos. Seguiu a rotina: tomou banho, colocou água para ferver com depois ovos, aproveitou a mesma água para fazer o café. Tomou dois goles de café e seguiu para a academia: vinte minutos de esteira, depois as outras máquinas—dia de perna. Voltou escutando um podcast sobre literatura. Trocou de roupa para ir ao trabalho, antes tomou um café no pai como um pedido de bênção.   Rumo ao trabalho, vai lendo um livro de poesia para ver quem passa nas páginas. Quer se desligar do mundo e dos seus problemas. Por alguns instantes, se conecta à paisagem do livro.   Perderam a chave, porta fechada. Espera alguns minutos para bater o pon...
Entre ninjas e bruxos sonhou
Literatura

Entre ninjas e bruxos sonhou

Alexandre Lucas Quando criança se encontrava enrolado nas histórias de ninja. Fazia suas armas de lata e cabos de vassoura. Imaginava escalando paredes e desaparecendo com bombas de fumaça. Se via derrotando com chutes e socos aqueles que atacavam a sua felicidade. Ser ninja nutria a dimensão do poder e da autodefesa. Mas também queria ser bruxo, místico - ou qualquer outra palavra equivalente para as pessoas que lidam com coisas que não se explicam a partir da ciência. Buscava conhecer o poder das pirâmides, das rochas, dos chás, das orações e das simpatias. Na verdade, buscava fórmulas mágicas para transformar a vida, já que ela não é algo fácil de lidar. A gente é sempre multiplicidade de desejos. Nunca conseguimos ser apenas um anseio. Vamos sendo muitos em um só corpo. Ser ni...
As cartas sem futuro
Literatura

As cartas sem futuro

Alexandre Lucas Deixo uma carta junto às contas do mês. Coloquei no envelope, passei cola e propositalmente ignorei o destinatário. Talvez nunca seja lida, se perca na correria e no amontoado de coisas que vamos juntando ao longo da vida.   Na vida, juntamos pedaços de acontecimentos e de coisas. As cartas são coisas e acontecimentos que atravessam o mundo e nossas paredes.   Parece que escrever tem sido a companhia mais tranquila, tenho pensado insistentemente em casar. As palavras são mais que uma transa casual e não têm hora para acontecer. Às vezes, de madrugada, acordo cheio de vontades para dançar; outras, ao meio-dia, o sol escorrendo pelas pálpebras e as palavras deslizando na inquietude dos pensamentos.   Escrevo cartas, algumas com destinatários, a...
O filho da costureira e do sapateiro
Literatura

O filho da costureira e do sapateiro

Alexandre Lucas O filho da costureira e do sapateiro escreve um diário aberto — não como As Veias Abertas da América Latina, de Galeano, mas próximo das pinturas de Frida, que, ao falar de si, falava do mundo. “Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade”, dizia Frida Kahlo, temperada pelo seu tempo e pelas doses dos seus suspiros.  As realidades são distintas. Dores maiores ou menores não existem: existem dores. O filho da costureira e do sapateiro codifica em palavras espremidas as rupturas da vida; canto e grito se misturam, óleo e água se enfrentam. As borboletas se transformam em esperança em alguns momentos, porque nem tudo é tristeza. Segundo a moça que encontramos todas as quartas-feiras, por meia hora, numa sala de meia-luz e com um sofá confortável,&nbs...
Antes que me matem
Literatura

Antes que me matem

Alexandre Lucas Antes que seja tarde, o amor precisa ser declarado. A qualquer momento posso morrer ou o desejo de viver pode se enclausurar entre quatro paredes. Já plantei várias árvores, escrevi alguns livros, casei, nada disso foi o suficiente, ainda quero ter tempo para plantar árvores, escrever livros e ensinar a subir nas cadeiras, casar é mais complicado. Peço, a não sei quem, que não me tire o direito de sonhar, afinal ainda tem um mundo para ser transformado e isso exige gente e esperança. Ainda sou jovem, meus registros dizem o contrário, as vozes das palavras de ordem da juventude me fazem chorar e crer nos girassóis, comecei quase menino empunhando bandeiras bordadas de sonhos e resistência. Nunca foi fácil empunhar bandeiras de sonhos e resistência num mundo em que a or...
A mentira mata
Literatura

A mentira mata

Alexandre Lucas Recorrentemente, sonhava que tinha assassinado um homem e o enterrado. O sonho era tão frequente que chegou a pensar em ser um assassino. Ficava remoendo o passado, tentando localizar a veracidade, mas nunca encontrava. Isso era perturbador, rendia alguns dias no banheiro. Logo, vieram duas inquietações tão presentes na vida contemporânea que têm matado e enlouquecido muita gente. Uma é a frase atribuída ao estrategista nazista Joseph Goebbels: “Uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade”. Isso é bastante atual; basta ver a narrativa da extrema-direita: seu discurso é mentirosamente verdadeiro e tem ganhado espaços de poder e legitimidade. Outro aspecto inseparável da mentira é o tempo gasto para tentar desfazê-la. Enquanto a mentira ganha velocidade, as ...
Direito à Cidade é a luta por outra cidade
direito à cidade

Direito à Cidade é a luta por outra cidade

Alexandre Lucas A matemática que divide espacialmente a cidade é determinada pela forma como o capital é socializado nos espaços. A concentração do capital nas mãos de poucos promove a desigualdade socioespacial. A cidade é o retrato de uma sociedade dividida em classes sociais distintas e antagônicas. Existe uma luta constante marcada por interesses divergentes sobre como e quem acessa a cidade. A cidade assume o papel de mercadoria e o espaço urbano age em função da mercantilização da vida humana. Existe dentro desta cidade desigual: uma cidade negada e uma cidade em disputa. A maioria da população minorizada do poder luta por uma cidade que possa lhe caber a partir das condições dadas. Por outro lado, existe uma contestação que luta pelo direito à cidade, a partir do reconhecimento d...
Mais Ciência e menos achismo nos movimentos sociais
Política

Mais Ciência e menos achismo nos movimentos sociais

Alexandre Lucas Em um mundo marcado por crises socioambientais, desigualdades estruturais e discursos negacionistas, a relação entre ciência e movimentos sociais nunca foi tão urgente. A ciência, longe de ser um instrumento neutro ou distante da realidade, deve servir como ferramenta pedagógica e política para qualificar as lutas sociais, garantindo que as demandas populares estejam ancoradas em análises concretas e não em ilusões idealistas ou no senso comum.  A ciência como bússola da realidade. Movimentos que ignoram a ciência correm o risco de se perder em análises superficiais, desconectadas das condições materiais da sociedade. A função da ciência é justamente radiografar a realidade, desvendando as estruturas de opressão, os mecanismos de exploração econômica e os impactos amb...