Tag: Alexandre Lucas

Entre ninjas e bruxos sonhou
Literatura

Entre ninjas e bruxos sonhou

Alexandre Lucas Quando criança se encontrava enrolado nas histórias de ninja. Fazia suas armas de lata e cabos de vassoura. Imaginava escalando paredes e desaparecendo com bombas de fumaça. Se via derrotando com chutes e socos aqueles que atacavam a sua felicidade. Ser ninja nutria a dimensão do poder e da autodefesa. Mas também queria ser bruxo, místico - ou qualquer outra palavra equivalente para as pessoas que lidam com coisas que não se explicam a partir da ciência. Buscava conhecer o poder das pirâmides, das rochas, dos chás, das orações e das simpatias. Na verdade, buscava fórmulas mágicas para transformar a vida, já que ela não é algo fácil de lidar. A gente é sempre multiplicidade de desejos. Nunca conseguimos ser apenas um anseio. Vamos sendo muitos em um só corpo. Ser ni...
As cartas sem futuro
Literatura

As cartas sem futuro

Alexandre Lucas Deixo uma carta junto às contas do mês. Coloquei no envelope, passei cola e propositalmente ignorei o destinatário. Talvez nunca seja lida, se perca na correria e no amontoado de coisas que vamos juntando ao longo da vida.   Na vida, juntamos pedaços de acontecimentos e de coisas. As cartas são coisas e acontecimentos que atravessam o mundo e nossas paredes.   Parece que escrever tem sido a companhia mais tranquila, tenho pensado insistentemente em casar. As palavras são mais que uma transa casual e não têm hora para acontecer. Às vezes, de madrugada, acordo cheio de vontades para dançar; outras, ao meio-dia, o sol escorrendo pelas pálpebras e as palavras deslizando na inquietude dos pensamentos.   Escrevo cartas, algumas com destinatários, a...
O filho da costureira e do sapateiro
Literatura

O filho da costureira e do sapateiro

Alexandre Lucas O filho da costureira e do sapateiro escreve um diário aberto — não como As Veias Abertas da América Latina, de Galeano, mas próximo das pinturas de Frida, que, ao falar de si, falava do mundo. “Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade”, dizia Frida Kahlo, temperada pelo seu tempo e pelas doses dos seus suspiros.  As realidades são distintas. Dores maiores ou menores não existem: existem dores. O filho da costureira e do sapateiro codifica em palavras espremidas as rupturas da vida; canto e grito se misturam, óleo e água se enfrentam. As borboletas se transformam em esperança em alguns momentos, porque nem tudo é tristeza. Segundo a moça que encontramos todas as quartas-feiras, por meia hora, numa sala de meia-luz e com um sofá confortável,&nbs...
Antes que me matem
Literatura

Antes que me matem

Alexandre Lucas Antes que seja tarde, o amor precisa ser declarado. A qualquer momento posso morrer ou o desejo de viver pode se enclausurar entre quatro paredes. Já plantei várias árvores, escrevi alguns livros, casei, nada disso foi o suficiente, ainda quero ter tempo para plantar árvores, escrever livros e ensinar a subir nas cadeiras, casar é mais complicado. Peço, a não sei quem, que não me tire o direito de sonhar, afinal ainda tem um mundo para ser transformado e isso exige gente e esperança. Ainda sou jovem, meus registros dizem o contrário, as vozes das palavras de ordem da juventude me fazem chorar e crer nos girassóis, comecei quase menino empunhando bandeiras bordadas de sonhos e resistência. Nunca foi fácil empunhar bandeiras de sonhos e resistência num mundo em que a or...
A mentira mata
Literatura

A mentira mata

Alexandre Lucas Recorrentemente, sonhava que tinha assassinado um homem e o enterrado. O sonho era tão frequente que chegou a pensar em ser um assassino. Ficava remoendo o passado, tentando localizar a veracidade, mas nunca encontrava. Isso era perturbador, rendia alguns dias no banheiro. Logo, vieram duas inquietações tão presentes na vida contemporânea que têm matado e enlouquecido muita gente. Uma é a frase atribuída ao estrategista nazista Joseph Goebbels: “Uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade”. Isso é bastante atual; basta ver a narrativa da extrema-direita: seu discurso é mentirosamente verdadeiro e tem ganhado espaços de poder e legitimidade. Outro aspecto inseparável da mentira é o tempo gasto para tentar desfazê-la. Enquanto a mentira ganha velocidade, as ...
Direito à Cidade é a luta por outra cidade
direito à cidade

Direito à Cidade é a luta por outra cidade

Alexandre Lucas A matemática que divide espacialmente a cidade é determinada pela forma como o capital é socializado nos espaços. A concentração do capital nas mãos de poucos promove a desigualdade socioespacial. A cidade é o retrato de uma sociedade dividida em classes sociais distintas e antagônicas. Existe uma luta constante marcada por interesses divergentes sobre como e quem acessa a cidade. A cidade assume o papel de mercadoria e o espaço urbano age em função da mercantilização da vida humana. Existe dentro desta cidade desigual: uma cidade negada e uma cidade em disputa. A maioria da população minorizada do poder luta por uma cidade que possa lhe caber a partir das condições dadas. Por outro lado, existe uma contestação que luta pelo direito à cidade, a partir do reconhecimento d...
Mais Ciência e menos achismo nos movimentos sociais
Política

Mais Ciência e menos achismo nos movimentos sociais

Alexandre Lucas Em um mundo marcado por crises socioambientais, desigualdades estruturais e discursos negacionistas, a relação entre ciência e movimentos sociais nunca foi tão urgente. A ciência, longe de ser um instrumento neutro ou distante da realidade, deve servir como ferramenta pedagógica e política para qualificar as lutas sociais, garantindo que as demandas populares estejam ancoradas em análises concretas e não em ilusões idealistas ou no senso comum.  A ciência como bússola da realidade. Movimentos que ignoram a ciência correm o risco de se perder em análises superficiais, desconectadas das condições materiais da sociedade. A função da ciência é justamente radiografar a realidade, desvendando as estruturas de opressão, os mecanismos de exploração econômica e os impactos amb...
Existe uma democracia das lagartixas?
Literatura

Existe uma democracia das lagartixas?

Alexandre Lucas As lagartixas não fazem democracia, mas há quem pense que a democracia seja um conjunto de lagartixas. É possível obter as mesmas respostas para perguntas diversas quando se conversa com lagartixas em cima do muro. A democracia não é um jogo de cartas previsíveis, e engana-se quem crê que ela se resume a diálogo e consenso. Na democracia, não é possível combinar tudo, porque os interesses se organizam em uma escala de divergências e antagonismos. As pessoas fazem mais do que balançar a cabeça, sinalizando um "sim". Na democracia burguesa, orientada e dirigida pelas elites econômicas, a classe trabalhadora conquista apenas paliativos — alguns suspiros —, mas não dirige os caminhos decisórios do poder. Esse tipo de democracia está vinculado a uma falsa ideia de liber...
Escola cívico-militar: uma ameaça à democracia do conhecimento e da criticidade
Política

Escola cívico-militar: uma ameaça à democracia do conhecimento e da criticidade

Alexandre Lucas A escola militar, concebida ainda no período colonial brasileiro, consolidou-se em 1889 com a criação do Imperial Colégio Militar (atual Colégio Militar do Rio de Janeiro), no contexto da Proclamação da República. Questiona-se: em que contexto histórico e com quais objetivos essas escolas foram criadas? Esses questionamentos são fundamentais para compreender sua inadequação no cenário educacional contemporâneo. Durante o regime militar (1964-1985), instaurado por um golpe de Estado, predominou uma concepção pedagógica restritiva que transformou as escolas públicas em espaços de formação técnica para o mercado de trabalho - o chamado tecnicismo. Essa "pedagogia de ensinar apertar parafusos" destinava-se à classe trabalhadora, enquanto o acesso ao ensino superior perman...
Planos de Cultura para outra cultura política
Política

Planos de Cultura para outra cultura política

Alexandre Lucas O planejamento da política pública para a cultura, resultante dos fóruns, conferências e outros mecanismos de consulta que culminam nos Planos de Cultura previstos nos sistemas de cultura (municipal, estadual e federal), são prerrogativas políticas com dimensão jurídica. Esses planos podem servir como estratégia para redimensionar e colocar no campo da macropolítica a escala da acessibilidade da diversidade e pluralidade cultural para a classe trabalhadora. Os planos não são, necessariamente, instrumentos restritos a um setor de execução. Os Planos de Cultura devem ser percebidos como um leque de possibilidades para transitar na transversalidade e na intersetorialidade dos governos. A perspectiva de transversalidade da cultura não é uma questão nova, mas ganha ...