Tag: Alexandre Lucas

Antes que me matem
Literatura

Antes que me matem

Alexandre Lucas Antes que seja tarde, o amor precisa ser declarado. A qualquer momento posso morrer ou o desejo de viver pode se enclausurar entre quatro paredes. Já plantei várias árvores, escrevi alguns livros, casei, nada disso foi o suficiente, ainda quero ter tempo para plantar árvores, escrever livros e ensinar a subir nas cadeiras, casar é mais complicado. Peço, a não sei quem, que não me tire o direito de sonhar, afinal ainda tem um mundo para ser transformado e isso exige gente e esperança. Ainda sou jovem, meus registros dizem o contrário, as vozes das palavras de ordem da juventude me fazem chorar e crer nos girassóis, comecei quase menino empunhando bandeiras bordadas de sonhos e resistência. Nunca foi fácil empunhar bandeiras de sonhos e resistência num mundo em que a or...
A mentira mata
Literatura

A mentira mata

Alexandre Lucas Recorrentemente, sonhava que tinha assassinado um homem e o enterrado. O sonho era tão frequente que chegou a pensar em ser um assassino. Ficava remoendo o passado, tentando localizar a veracidade, mas nunca encontrava. Isso era perturbador, rendia alguns dias no banheiro. Logo, vieram duas inquietações tão presentes na vida contemporânea que têm matado e enlouquecido muita gente. Uma é a frase atribuída ao estrategista nazista Joseph Goebbels: “Uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade”. Isso é bastante atual; basta ver a narrativa da extrema-direita: seu discurso é mentirosamente verdadeiro e tem ganhado espaços de poder e legitimidade. Outro aspecto inseparável da mentira é o tempo gasto para tentar desfazê-la. Enquanto a mentira ganha velocidade, as ...
Direito à Cidade é a luta por outra cidade
direito à cidade

Direito à Cidade é a luta por outra cidade

Alexandre Lucas A matemática que divide espacialmente a cidade é determinada pela forma como o capital é socializado nos espaços. A concentração do capital nas mãos de poucos promove a desigualdade socioespacial. A cidade é o retrato de uma sociedade dividida em classes sociais distintas e antagônicas. Existe uma luta constante marcada por interesses divergentes sobre como e quem acessa a cidade. A cidade assume o papel de mercadoria e o espaço urbano age em função da mercantilização da vida humana. Existe dentro desta cidade desigual: uma cidade negada e uma cidade em disputa. A maioria da população minorizada do poder luta por uma cidade que possa lhe caber a partir das condições dadas. Por outro lado, existe uma contestação que luta pelo direito à cidade, a partir do reconhecimento d...
Mais Ciência e menos achismo nos movimentos sociais
Política

Mais Ciência e menos achismo nos movimentos sociais

Alexandre Lucas Em um mundo marcado por crises socioambientais, desigualdades estruturais e discursos negacionistas, a relação entre ciência e movimentos sociais nunca foi tão urgente. A ciência, longe de ser um instrumento neutro ou distante da realidade, deve servir como ferramenta pedagógica e política para qualificar as lutas sociais, garantindo que as demandas populares estejam ancoradas em análises concretas e não em ilusões idealistas ou no senso comum.  A ciência como bússola da realidade. Movimentos que ignoram a ciência correm o risco de se perder em análises superficiais, desconectadas das condições materiais da sociedade. A função da ciência é justamente radiografar a realidade, desvendando as estruturas de opressão, os mecanismos de exploração econômica e os impactos amb...
Existe uma democracia das lagartixas?
Literatura

Existe uma democracia das lagartixas?

Alexandre Lucas As lagartixas não fazem democracia, mas há quem pense que a democracia seja um conjunto de lagartixas. É possível obter as mesmas respostas para perguntas diversas quando se conversa com lagartixas em cima do muro. A democracia não é um jogo de cartas previsíveis, e engana-se quem crê que ela se resume a diálogo e consenso. Na democracia, não é possível combinar tudo, porque os interesses se organizam em uma escala de divergências e antagonismos. As pessoas fazem mais do que balançar a cabeça, sinalizando um "sim". Na democracia burguesa, orientada e dirigida pelas elites econômicas, a classe trabalhadora conquista apenas paliativos — alguns suspiros —, mas não dirige os caminhos decisórios do poder. Esse tipo de democracia está vinculado a uma falsa ideia de liber...
Escola cívico-militar: uma ameaça à democracia do conhecimento e da criticidade
Política

Escola cívico-militar: uma ameaça à democracia do conhecimento e da criticidade

Alexandre Lucas A escola militar, concebida ainda no período colonial brasileiro, consolidou-se em 1889 com a criação do Imperial Colégio Militar (atual Colégio Militar do Rio de Janeiro), no contexto da Proclamação da República. Questiona-se: em que contexto histórico e com quais objetivos essas escolas foram criadas? Esses questionamentos são fundamentais para compreender sua inadequação no cenário educacional contemporâneo. Durante o regime militar (1964-1985), instaurado por um golpe de Estado, predominou uma concepção pedagógica restritiva que transformou as escolas públicas em espaços de formação técnica para o mercado de trabalho - o chamado tecnicismo. Essa "pedagogia de ensinar apertar parafusos" destinava-se à classe trabalhadora, enquanto o acesso ao ensino superior perman...
Planos de Cultura para outra cultura política
Política

Planos de Cultura para outra cultura política

Alexandre Lucas O planejamento da política pública para a cultura, resultante dos fóruns, conferências e outros mecanismos de consulta que culminam nos Planos de Cultura previstos nos sistemas de cultura (municipal, estadual e federal), são prerrogativas políticas com dimensão jurídica. Esses planos podem servir como estratégia para redimensionar e colocar no campo da macropolítica a escala da acessibilidade da diversidade e pluralidade cultural para a classe trabalhadora. Os planos não são, necessariamente, instrumentos restritos a um setor de execução. Os Planos de Cultura devem ser percebidos como um leque de possibilidades para transitar na transversalidade e na intersetorialidade dos governos. A perspectiva de transversalidade da cultura não é uma questão nova, mas ganha ...
A foto do final de semana
Literatura

A foto do final de semana

Alexandre Lucas Hoje, exatamente neste instante, a mesma mesa, os pássaros — acho que são os mesmos —, a paisagem, a mesma. O calor tomando conta, o almoço já está pronto, mas perdi a fome num estalo. Queria ler por algumas horas a poesia da menina de cabelos cacheados, que deve escrever como a sua neurodivergência: cheia de intervalos e com escritas invisíveis. Talvez fosse a dopamina da tarde, o vinho para desequilibrar as certezas. Converso com a enfermeira, que fala de feridas de difícil cicatrização. Lembrei-me de Eduardo Galeano: As Veias Abertas da América Latina. Manu manda uma mensagem avisando sobre a tia doente e justificando os porquês de ainda não ter vindo deixar os livros. Ela vai viajar, trabalhar onde são discutidos os rumos do país. Guardo dela alguns sorris...
Armamento para o pensamento crítico
Literatura

Armamento para o pensamento crítico

Alexandre Lucas É indiscutível que a palavra escrita é essencial para o desenvolvimento cognitivo, a associação de ideias, a ampliação da memória e da argumentação. A palavra, enquanto produção histórica e social, reflete demarcadores societários e, hegemonicamente, reproduz ideologicamente as ideias das elites dominantes. A escola tem uma função primordial na apropriação e no uso multifacetado da palavra, mas, ao mesmo tempo, pode ser limitante ao se focar apenas no uso da norma culta, desconsiderando a dimensão da linguagem como vetor de tecer o social. Na escola pública, a palavra deve assumir um lugar contra-hegemônico, ou seja, representar a apropriação da “técnica e das regras” da norma culta associada à prática social dos indivíduos e à contextualização sócio-histórica....
Ponto de Cultura é processo e não produto
Cultura

Ponto de Cultura é processo e não produto

Alexandre Lucas A ideia de que o Ponto de Cultura é a afirmação da trajetória e da permanência da continuidade tem como referência o fato de que não se trata de produzir um novo produto para ofertar ao Estado, uma lógica semelhante à do mercado. Pelo contrário, o Estado deve garantir que experiências de base comunitária e territorial consigam se afirmar econômica e politicamente, colocando o processo como parte fundamental de um Ponto de Cultura. Essa é a concepção basilar e de ruptura com as políticas culturais dominantes, que deram origem ao Cultura Viva no país. Essa perspectiva confronta-se com a retomada da Política Nacional de Cultura Viva, que vem se configurando por um viés notadamente marcado pelo mercado e que precisa ser combatido. Essa constatação pode ser percebida desde...