Tag: Alexandre Lucas

Açaí com suflê
Literatura

Açaí com suflê

Alexandre Lucas*  Aquele sofá parecia um divã. O silêncio acolhia a beleza do encontro. Os cachorros latiam como se estivessem rindo e roçaram mendigando ternura.  Carlos foi convocado, veio num livro capa amarela, talvez para proclamar a alegria e disfarçar a sua poesia repleta de dúvidas e atestada de ironia. Para recebê-lo chamou Morzat com a delicadeza dos seus toques. Fechou os olhos como se sentisse as palavras assoprando o seu corpo, encaixando no seu ritmo e brincando de ciranda na ponta dos seus seios. Drummond falava do amor: incerto, contraditório e real.  Entre os poemas, a partilha das comidinhas, a leitura das minhas interrogações e o gosto do amendoim caramelado. Paz e Guerra, não, não, era obra posta à mesa, nem disposta entre as pernas, mas o redemo...
<strong>Universo enluarado</strong>
Literatura

Universo enluarado

Por Alexandre Lucas* A culpa foi da lua. Essa desgraçada, não pede licença, nem diz que vai entrar, chega dando ordens. Deixa tudo escrito, os dias que me abro e fecho, que sangro e que destempero, mesmo distante e sem luz própria, ela se acha proprietária do meu destino. Minhas amigas estão todas enluaradas, com caminhos definidos. Coitadas.   Tenho que me livrar da lua. É impossível matar a lua, mas isso não passou pela minha cabeça. Ela até faz uma boa companhia à noite, deixa o céu atraente, mas ficar lá em cima querendo patrulhar minha vida é demais.   Mas como pode uma coisa como a lua querer ser gente intrometida. Desconfio que a lua não seja o terror da vida alheia. Acho que tudo isso é uma mentira que inventaram para colocar a culpa em alguma coisa. Se tem ...
A violência nas escolas e o enfrentamento necessário
Cultura

A violência nas escolas e o enfrentamento necessário

Por Alexandre Lucas* O país vivencia uma onda preocupante de violência nas escolas que se integra a uma série de fatores conjunturais. A violência escolar compõe a mesma moeda que referenciou o fascismo e o bolsonarismo aos espaços de poder, logo, não é um fator isolado e de pequena proporção, pelo contrário se alimenta de estruturas ideológicas e econômicas concretas. Na ascensão das forças conservadoras e reacionárias de caráter fascista, que vem tendo crescimento significativo dentro processo eleitoral brasileiro, podemos constatar alguns elementos: Promoção do ódio (ao invés de discurso de ódio), uso indiscriminado de plataformas digitais para espalhar narrativas mentirosas e anticientífica contra a democracia, violência e a naturalização da opressão e da exploração. Os h...
Crato: 2% do orçamento para cultura, ainda é pouco 
Cultura

Crato: 2% do orçamento para cultura, ainda é pouco 

Por Alexandre Lucas*  O Município do Crato (CE), em 2022, gastou do orçamento municipal 0,67%, cerca de 85% deste percentual foi gasto com folha de pagamento e encargos sociais, menos de 15% foi destinado para fomento e outras despesas da pasta. Nos últimos sete anos, o investimento no setor cultural não chegou a 1%. O resultado destes números tem incidência direta no processo de sucateamento dos equipamentos culturais e na política de fomento artístico-cultural.  O Crato, cidade conhecida como “capital da cultura”, conceito elitista, inadequado e excludente demonstra contradições e equívocos. Atualmente, o conjunto dos equipamentos culturais do Município estão fechados ou apresentam condições inadequadas para uso: Museu Histórico e de Artes Vicente Leite, Teatro Salviano A...
Misturamos as coisas
Literatura

Misturamos as coisas

Por Alexandre Lucas Manhã nublada, dia com cara de choro. Hoje, li Drummond. Estava melhor que do que a manhã: piadista, com palavras quentes, duvidoso como sempre. O poeta que também se faz nublado, mesmo diante do sol. Não quero falar da manhã, do poeta e nem da cara de choro do tempo. É porque escrevo assim mesmo, atravessado de fragmentos e de histórias misturadas.  Misturo amendoim com amor, às vezes dar tudo certo, outras dar dor de barriga.  Por falar em histórias, elas sempre nascem de outras histórias. O presente é sempre uma transa com o passado, mas o gozo nunca é uma garantia.  Estava pensando nas ilhas, dizem que elas são isoladas, acredito que seja mentira, sempre as vejo juntas das águas. As sereias, que são mentiras, são tão verdadeiras como as ilhas...
O grito se fez pó 
Literatura

O grito se fez pó 

Por Alexandre Lucas*  Passei horas escrevendo, fiquei despida, tirei cada palavra que escondia minhas cicatrizes e as feridas abertas, ainda tinha sangue fresco. Desenhei, no meio do papel, um olho; na mesa tinha um copo de vidro cheio de água para acalmar meu corpo trêmulo e minha respiração ofegante. Deram-me dez bolachas, já que não quis almoçar, não comi nenhuma, as formigas é que aproveitaram.  Somente nós, eu, nua diante papel e ele suportando minhas vestes e o peso imensurável das palavras.  Ele sabia os meus segredos, as minhas dores encobertas. O simples papel virou meu confidente. Sabia da profundidade e de cada detalhe dos vulcões e dos terremotos que gritavam dentro de mim. Conseguia fazê-lo sentir o brilho do meu olhar, quando era festa ou inundação. Escre...
Sou uma mentira
Literatura

Sou uma mentira

Por Alexandre Lucas* Já confundo todos os olhares e desconheço todas as luas. Construo versos para trincar certezas e já não me deito na cama para enganar o coração. É tempo de amor, porque ele nunca sai de moda. Sou toda mentira que o amor é capaz de fazer. Inventei na palavra que o amor era maior que a imensidão do universo e previsivelmente mais quente que o sol, fui dogmática e professei que o amor era eterno. Lógico que dopada e embriagada pela realidade alienante. Eu espedaçada, fui triturada, mas o amor nos faz mosaico, um todo formado de pedaços. Enquanto me deito, não espero nada, mentira, estou esperançando e de vez em quando sonho, nem tudo é desespero. Ainda vejo estrelas e mares nos olhos. Estou vivinha, ainda, assim quero ficar.  Porque dizem por aí que o amor é...
<strong>Denunciante</strong>
Literatura

Denunciante

Por Alexandre Lucas* O som da respiração faz poesia entre os corpos. Hoje, a lua tem sol e o chá é afrodisíaco. Escrevo devorando a imaginação. Vou vasculhando as palavras e mordendo os lábios no bailado de imagens. Solto um sorriso e me dano a escrever, como quem quer despir o papel, sentir a  carne, o suor escorrendo entre as linhas, o  ventre molhado, olhos bambos,  sons  desequilibrados,  letras bêbadas e um convite para daqui a pouco. É apenas o papel denunciante da intensidade humana. Incêndio, a poesia está em brasas e a razão resolveu se esconder. Contínuo escrevendo, buscando intervalos da imaginação do que não existiu, mas tudo existe. Saio, dou algumas voltas, talvez quisesse estar numa canoa sendo levado pela pele do rio, ou numa trilha sentindo o...
Catar sonhos
Literatura

Catar sonhos

Por Alexandre Lucas* Um galpão escuro, pouca luz, cabeças despontavam como fotografias preto e branco. Na luz, a ferrugem se destacava nos rostos mais claros. Meio da semana, quarta-feira, as cinzas se misturavam ao suor e as roupas de cores perdidas. O menino pesa as caminhadas da semana, despeja o saco na balança e verifica que consegue comprar sete pães. Abre um sorriso de lábios fechados para esconder os dentes quebrados. O menino segue sua procissão, vasculha e rever a cidade procurando novos pães. Em dias de sorte, consegue menos sol, mas a média não ultrapassa os sete pães. Outro dia vi o mesmo menino com roupa limpa, cantando sonhos e me ensinando coisas de computador. Comemos alguns pães juntos, inclusive, tivemos dias em que também comemos bolo recheado com chocolate e r...
Como enterrar algozes?
Literatura

Como enterrar algozes?

Por Alexandre Lucas* A estátua de Nossa Senhora de Fátima perseguia o seu olhar e o desejo de matar consumia os seus caminhos. Era segunda-feira, já se tinha passado metade do ano e, naquele dia, a sua madrugada foi fábrica de ódio e alucinações. Tomou um dedo de café e mastigou perversidade. Acendeu seu cigarro, tragou apressadamente como se quisesse encher os pulmões de coragem. Fumou cinco cigarros, um seguido do outro. Cuspiu no chão, esfregou o cuspe com seu sapato empoeirado, como quem quer tirar manchas do chão. Saiu, se benzeu e levou nossa senhora no olhar. Carregava por debaixo da calça uma falsa verdade de escritura da propriedade alheia e um revólver para demarcar os seus devaneios.  Matou sem balas os caminhos. Fez a barriga tremer. Todas as noites, durante anos ...