Tag: Alexandre Lucas

A borboleta voa com toda a sua fragilidade
Literatura

A borboleta voa com toda a sua fragilidade

Alexandre Lucas Os pássaros cantam. As flores brancas e as rosas amarelas estão desfilando paradas. Escuto baixinho Bob Marley. O sol resolveu fechar suas luzes. Cato fragmentos de saudade e lembro do sonho da última noite, triste: um homem morria torturado, o caminho era resistir aos seus algozes, ficava com a fala entalada, não lembro mais do sonho. Acordei, a boca seca e o coração perfurado. Observo as folhas, elas parecem dançar, mas estão presas ao chão, mesmo assim dançam. Parece que é isso mesmo: sem correntes estamos presos e mesmo acorrentados conseguimos caminhar. A pureza dos acontecimentos é infinitamente mentirosa.  A borboleta voa com toda a sua fragilidade, fica ali entre as flores brancas e próxima das rosas amarelas. Bob Marley se mistura à música de Luiz Cal...
Cultura Viva para além da cidadania e participação social
Cultura

Cultura Viva para além da cidadania e participação social

Alexandre Lucas  Cidadania cultural e participação social são elementos fundantes da Política do Cultura Viva - Pontos de Cultura, como instrumentos de afirmação e ampliação de direitos e composição de uma nova visão de política pública. Iniciada em 2004 e estabelecida dez anos depois como Política de Estado (Lei 13.018/2014, que institui a Política Nacional do Cultura Viva), essa experiência apresenta aspectos que vão para além da democratização do acesso aos bens culturais e a produção artística.  A cidadania cultural como reconhecimento de direitos historicamente negados à maioria da população é ingrediente substancial para análise da realidade concreta e apontamento das demandas sociais. A expressão de cidadania cultural parte da mesma premissa do conceito de democracia...
21 anos e uma roseira vermelha
Literatura

21 anos e uma roseira vermelha

Alexandre Lucas Mais uma carta. Saiu de moda escrever. Continuo escrevendo. A última ditadura militar no país durou 21 anos e as cartas circularam clandestinamente para registrar a história e alimentar as esperanças. Manifestar sempre fez parte das ações humanas, assim como o amor. Ainda era criança, pouco entendia sobre o que escrevia, mas eu escrevia para você, como se quisesse dizer:  estou aqui e quando precisar me coloque nas suas mãos.  Escrevia estando a poucos minutos de distância, já que nossas distâncias nunca foram além dos minutos.  Escrevo como um exercício de presença, como se a cada instante estivesse mais próximo da despedida, racionalmente é essa a composição do tempo.  Guarda as cartas, elas não são um amontoado de palavras, estão im...
Escola de Tempo Integral e a precarização do ensino
Cariri

Escola de Tempo Integral e a precarização do ensino

Alexandre Lucas A (e)deforma do Ensino Médio e a Escola de Tempo Integral, no  modelo posto, se equipara na mesma perspectiva pedagógica de manutenção do modo de produção capitalista, no sentido ofertar mão de obra esquartejada de conhecimento e guiada para atender os interesses do mercado. É necessário desmontar a propagada institucional e das instituições financeiras que defendem essa proposição, que desvia a função social da escola pública comprometida com a socialização do conhecimento científico, filosófico e estético produzido historicamente pela humanidade.  Reduzir o acesso ao conhecimento e negar a formação teórica e pedagógica das professoras e professores como é proposto na r(d)reforma do Ensino Médio é tornar a escola antidemocrática. Para a Pedagogia Histórica-...
Açaí com suflê
Literatura

Açaí com suflê

Alexandre Lucas*  Aquele sofá parecia um divã. O silêncio acolhia a beleza do encontro. Os cachorros latiam como se estivessem rindo e roçaram mendigando ternura.  Carlos foi convocado, veio num livro capa amarela, talvez para proclamar a alegria e disfarçar a sua poesia repleta de dúvidas e atestada de ironia. Para recebê-lo chamou Morzat com a delicadeza dos seus toques. Fechou os olhos como se sentisse as palavras assoprando o seu corpo, encaixando no seu ritmo e brincando de ciranda na ponta dos seus seios. Drummond falava do amor: incerto, contraditório e real.  Entre os poemas, a partilha das comidinhas, a leitura das minhas interrogações e o gosto do amendoim caramelado. Paz e Guerra, não, não, era obra posta à mesa, nem disposta entre as pernas, mas o redemo...
<strong>Universo enluarado</strong>
Literatura

Universo enluarado

Por Alexandre Lucas* A culpa foi da lua. Essa desgraçada, não pede licença, nem diz que vai entrar, chega dando ordens. Deixa tudo escrito, os dias que me abro e fecho, que sangro e que destempero, mesmo distante e sem luz própria, ela se acha proprietária do meu destino. Minhas amigas estão todas enluaradas, com caminhos definidos. Coitadas.   Tenho que me livrar da lua. É impossível matar a lua, mas isso não passou pela minha cabeça. Ela até faz uma boa companhia à noite, deixa o céu atraente, mas ficar lá em cima querendo patrulhar minha vida é demais.   Mas como pode uma coisa como a lua querer ser gente intrometida. Desconfio que a lua não seja o terror da vida alheia. Acho que tudo isso é uma mentira que inventaram para colocar a culpa em alguma coisa. Se tem ...
A violência nas escolas e o enfrentamento necessário
Cultura

A violência nas escolas e o enfrentamento necessário

Por Alexandre Lucas* O país vivencia uma onda preocupante de violência nas escolas que se integra a uma série de fatores conjunturais. A violência escolar compõe a mesma moeda que referenciou o fascismo e o bolsonarismo aos espaços de poder, logo, não é um fator isolado e de pequena proporção, pelo contrário se alimenta de estruturas ideológicas e econômicas concretas. Na ascensão das forças conservadoras e reacionárias de caráter fascista, que vem tendo crescimento significativo dentro processo eleitoral brasileiro, podemos constatar alguns elementos: Promoção do ódio (ao invés de discurso de ódio), uso indiscriminado de plataformas digitais para espalhar narrativas mentirosas e anticientífica contra a democracia, violência e a naturalização da opressão e da exploração. Os h...
Crato: 2% do orçamento para cultura, ainda é pouco 
Cultura

Crato: 2% do orçamento para cultura, ainda é pouco 

Por Alexandre Lucas*  O Município do Crato (CE), em 2022, gastou do orçamento municipal 0,67%, cerca de 85% deste percentual foi gasto com folha de pagamento e encargos sociais, menos de 15% foi destinado para fomento e outras despesas da pasta. Nos últimos sete anos, o investimento no setor cultural não chegou a 1%. O resultado destes números tem incidência direta no processo de sucateamento dos equipamentos culturais e na política de fomento artístico-cultural.  O Crato, cidade conhecida como “capital da cultura”, conceito elitista, inadequado e excludente demonstra contradições e equívocos. Atualmente, o conjunto dos equipamentos culturais do Município estão fechados ou apresentam condições inadequadas para uso: Museu Histórico e de Artes Vicente Leite, Teatro Salviano A...
Misturamos as coisas
Literatura

Misturamos as coisas

Por Alexandre Lucas Manhã nublada, dia com cara de choro. Hoje, li Drummond. Estava melhor que do que a manhã: piadista, com palavras quentes, duvidoso como sempre. O poeta que também se faz nublado, mesmo diante do sol. Não quero falar da manhã, do poeta e nem da cara de choro do tempo. É porque escrevo assim mesmo, atravessado de fragmentos e de histórias misturadas.  Misturo amendoim com amor, às vezes dar tudo certo, outras dar dor de barriga.  Por falar em histórias, elas sempre nascem de outras histórias. O presente é sempre uma transa com o passado, mas o gozo nunca é uma garantia.  Estava pensando nas ilhas, dizem que elas são isoladas, acredito que seja mentira, sempre as vejo juntas das águas. As sereias, que são mentiras, são tão verdadeiras como as ilhas...
O grito se fez pó 
Literatura

O grito se fez pó 

Por Alexandre Lucas*  Passei horas escrevendo, fiquei despida, tirei cada palavra que escondia minhas cicatrizes e as feridas abertas, ainda tinha sangue fresco. Desenhei, no meio do papel, um olho; na mesa tinha um copo de vidro cheio de água para acalmar meu corpo trêmulo e minha respiração ofegante. Deram-me dez bolachas, já que não quis almoçar, não comi nenhuma, as formigas é que aproveitaram.  Somente nós, eu, nua diante papel e ele suportando minhas vestes e o peso imensurável das palavras.  Ele sabia os meus segredos, as minhas dores encobertas. O simples papel virou meu confidente. Sabia da profundidade e de cada detalhe dos vulcões e dos terremotos que gritavam dentro de mim. Conseguia fazê-lo sentir o brilho do meu olhar, quando era festa ou inundação. Escre...