Não tão bela adormecida
Dina Melo
O vento arremessou os telhados
Pequenos blocos de reboco caíram pelo chão
O bolor subiu da terra úmida
O sol descascou a tinta
As frutas amareleceram esquecidas nos cestos
Tudo cheirava a abandono
Escassez
Como adormecida, eu andava
A poeira se acumulava nos móveis e, distraída, eu desenhava espirais, nuvens, corações
Me movia lentamente, crendo que assim o piso não rangeria
Sentava nas velhas cadeiras e me punha a remendar as roupas
Tentava varrer o chão que desaparecia sob meus pés
Tonta, punha flores nos vasos quebrados
Comprava vidros coloridos
Às vezes, numa fúria louca, bailava pela casa
Saía ao relento para que minhas lágrimas se confundissem com as gotas de chuva
Os azulejos estalavam
Os canos vertiam água
As raízes...