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Mãos estendidas
Literatura

Mãos estendidas

Boca miúda, franzida. Dentes quebrados, outros amarelos. Murmurava canções desesperadas, a mão estendida. Olhos desenhados como mapas de cansaço. Senhora negra, quase setenta anos, provavelmente. Percorria ruas e mesas, trocando caminhadas por sobrevivência. Vestido florido, transitava entre olhares áridos e terras asfaltadas. Apanhava silêncios. Balanços de cabeça negando trocados. Eu tomava café e lia Federico García Lorca. A poesia dele desfolhava paisagens distantes e, de repente, colocava aquela senhora no centro da mesa. Sua boca franzida tocava meus olhos. Antes dela, eu também tentava a sorte — jogava na loteria a esperança. O jogo era do meu pai. A chance, mínima. Voltei para casa carregando nos braços o peso daquela boca. Ela não fazia poemas. Nunca leria Lorca. Naque...