Hillary Siqueira
Era por volta das 5h da manhã; o sol ainda estava escondido. Dava para ver da janela do quarto, os galhos das árvores balançando lentamente. Levantei da minha cama e fui preparar meu café da manhã. O cheiro do café passando pelo coador era tão forte e presente que toda a sala foi tomada pelo delicioso aroma quente. Com a frieza que fazia naquele momento, o cheiro era acolhedor.
Após o café estar pronto, enchi uma xícara generosa e fui até a porta para assistir ao nascer do sol. O clima estava ainda mais frio do que parecia. Sentei no pé da porta e fiquei aguardando. O tempo parecia parado. Levantei e dei cinco passos; senti a grama gelada em meus pés descalços, mas era tão macia que parecia que eu estava caminhando sobre algodões gelados. Essa sensação era únic...

27julNo Comments
Café com ou sem internet?
Ludimilla Barreira*
Enquanto mexia o café na xícara com uma das mãos e rolava as novidades no Instagram com a outra, se deu conta de que conhecia pessoalmente quase todos que estavam nas fotos, já que, recentemente, desistiu de acompanhar pessoas que se autointitulam influenciadoras, pois acreditava que essa exposição onerava a fatura do seu cartão de crédito. Ainda por cima, questionava o termo “seguir” utilizado pelo aplicativo, que lhe trazia à lembrança as crianças seguindo o “Flautista de Hamelin”. Mas, infelizmente, tanta perspicácia não foi suficiente para livrá-la das armadilhas emocionais.
Assim como as tecnologias se aprimoraram para ler seus pensamentos de consumo, a mente dela, apurava as próprias vilanias, criando emboscadas cada vez mais elaboradas, colocando-a em espir...

7julNo Comments
Água nunca é de sempre
Alexandre Lucas*
Sementes de girassol, amendoins, passas, alguns goles de água. Vento frio. Porta entreaberta: vou fotografando a rua: a mulher que anda em círculos. O homem que caminha com a escada nas costas. Os pombos que disputam a ração dos gatos. O botão que esconde a cor da rosa. O carro embrulhado de lençóis no meio da rua, deve ser para proteger a pintura. Os pássaros, mas não consigo fotografá-los, só escuto os seus cantos. Ainda continuo com a mesma calcinha de ontem, os cabelos lembram Einstein, blusa de propaganda, ainda nem tomei café. Dei alguns pulos, suei um pouco.
Ainda não sei o que fazer. Escrevo. Escuto as conversas acaloradas sobre futebol e faço careta, enquanto, penso no riso da traficante, ontem à noite.
Estico os braços, digo ai, coço os seios. Prec...

8fevNo Comments
Santo quebrado
Alexandre Lucas
O espelho grande cabia o seu corpo. Nua, desembaraçava o cabelo, depois de uma guerra de prazer. Encarava o espelho como se estivesse pagando a conta de um jantar ruim e caro. Olho no olho, alguns desvios para o copo com sobras quentes de vinho. Sua cabeça doía como se tivesse um sino badalando. A louça ainda dormia na pia.O café para fazer, amargo e forte. As cinzas de incenso estavam espalhadas na penteadeira. A estátua quebrada na beira cama, Santo Agostinho, tinha se partido com suas contradições. Os lençóis molhados exalavam cheiro forte e um clima abafado. Ela nua penteando os cabelos. A casa vazia como o sexo da noite anterior.A língua seca de quem passou a noite revirando os olhos, um pouco de água. A idade já não permitia tantas travessias. Aos pentear os cabelo...