Tag: Chuva

Brincar de construir renovação
Literatura

Brincar de construir renovação

Alexandre Lucas* Estava de vermelho, uma camisa dizendo quem era, uma cueca acochada, isso pouco importa.  Chovia, as folhas tomavam banho. As pétalas murchas se despencavam. Tomava café, olhava as plantas molhadas com gosto de ternura, talvez a ternura tenha cara de chuva, de banho bem tomado. Da varanda via os contrastes, a cidade fatiada. As flores enfeitando as ruas esquecidas. Os prédios grandes engolindo as casas dos tamanhos dos corpos. A mãe insultando a filha e guardando o amor para outros dias. O sanhaço veio provar da banana, gostava de ver os pássaros próximos, mesmo sabendo que a sua liberdade é uma narrativa mentirosa, ele não faz o que quer, mas o que é possível, voa para onde  pode e escolhe os lugares de pouso, faz a sua defensiva.    A chuva deu uma trégua e o sol f...
ACERTARAM QUANDO DISSERAM QUE SOU UMA MULHER DE AMORES PLATÔNICOS
Literatura

ACERTARAM QUANDO DISSERAM QUE SOU UMA MULHER DE AMORES PLATÔNICOS

Shirley Pinheiro* Descobri que morávamos na mesma rua, na noite em que caiu a primeira chuva de dezembro. De longe, sua casa, uma construção comum, portas e janelas pouco convidativas, iluminara-se à luz dos faróis que nela adentrava. Até aquele momento, eu já sabia de cor a placa e o modelo do seu carro e pouco me surpreendia o adesivo do Padre Cícero, colado na traseira. Desde então, gastava minhas caminhadas a procurá-la, numa esperança insana de que nossos destinos, tantas vezes generosos, nos proporcionassem um desencontro ao acaso. E eu ainda consigo contar nos dedos, as vezes em que, na pressa do trânsito, tive um vislumbre da tua velocidade. Migalhas para os meus desejos. Banquetes consumados.  Mas ali, com os pingos da chuva se insinuando sobre o meu cabelo e o escur...
Desnecessidade necessária
Literatura

Desnecessidade necessária

Alexandre Lucas* Olhamos os livros, as plantas. Sentamos. Pedimos suco, abacaxi com hortelã, outro de cajá e uma tapioca com frango. Conversamos sobre comida e detalhes esquecidos. Uma moça, branca, gorda, simpática e com menos de 20 anos, chega com um papel na mão como se quisesse anunciar uma venda. Surpresa, ela entrega   um desenho e diz: achei você tão bonita que resolvi te desenhar.  Saiu rapidamente, sem espaço para agradecimentos.  Ficamos apreciando a delicadeza e o quanto a desnecessidade é necessária.  A massa de modelar e algumas tintas estavam guardadas num saco para embrulhar presentes, de algum presente que ganhei, acho que de minha mãe. Era desnecessário, mas  como o desenho, também necessário. Chegamos. Breve parada na escada, alguns beijo...