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Annie Ernaux: uma mulher sem vergonha
Literatura

Annie Ernaux: uma mulher sem vergonha

Luciana Bessa* Publicado pela primeira vez em 1997, A Vergonha, é o sexto livro que compõe o projeto literário da escritora francesa Annie Ernaux, que tem o objetivo de vingar sua raça, especialmente, investigar sua própria existência sob o prisma social. Nobel de literatura no ano de 2024, aos 82 anos de idade, graças a sua “coragem e acuidade clínica com que descobre raízes, os distanciamentos e as restrições coletivas da memória pessoal”. Coragem e ousadia são duas palavras que vestem bem autora e obra. O livro traz uma epígrafe do escritor norte-americano Paul Auster retirada da obra A invenção da solidão (1982): “A linguagem não é a verdade. Ela é a nossa forma de existir no universo”. Ernaux afirmará em  A escrita como faca (2023) que se apropriar da linguagem foi a forma ...
Fim
Literatura

Fim

Luciana Bessa* Nascemos para a morte segundo a filosofia do alemão Martin Heidegger. Partindo dessa premissa, a então atriz Fernanda Torres enveredou-se pelo universo literário com o romance Fim (2013), obra de estreia. Trata-se de um romance que tem cheiro e sabor de finitude. A narrativa gira em torno de um grupo de cinco amigos cariocas “de longa data” complementarmente diferentes uns dos outros, mas unidos pelas farras, orgias, traições, bebedeiras, taras, uso de drogas e de viagra. A obra é, na verdade, uma gangorra entre a pulsão de vida (Eros ou sexual) e a pulsão de morte (agressão, Tânatos), já que somos sujeitos de libido. Ambas as pulsões estão sempre juntas segundo o princípio de conservação da vida. O cenário da narrativa é o Rio de Janeiro das décadas de 1960-1970, u...
Os provisórios
Literatura

Os provisórios

Luciana Bessa* A baiana Helena Parente Cunha (1930-2023) é detentora de uma obra múltipla: cinco livros de poemas, quatro livros de contos, três romances, um infantil e quatro livros de ensaios, com destaque para Aspectos da Literatura de Autoria Feminina na Prosa e Poesia (anos 70 e 80), publicado em 1999. Aclamada na poesia, Helena, “aquela que ilumina”, na década de 1980, publicou o livro de contos Os Provisórios, com trinta textos em uma linguagem fluída, oral e ritmada, cujas personagens centrais são (a maioria) mulheres, com histórias marcadas pelo interditos, pelo controle paterno (“O pai”), violência doméstica (“O olho roxo”), ruptura feminista (“Festa de casamento”), amor obsessivo (“Amor de filha”), relação tóxica (“O triângulo mais que perfeito”), subserviência (“A funcion...
Vamos comprar um poeta
Literatura

Vamos comprar um poeta

Luciana Bessa* É uma crítica ao automatismo e mecanização da vida e das relações humanas. Mas é também um convite ao consumismo afetivo em um mundo distópico. Trata-se de uma poesia escrita em formato de prosa em que o autor, Afonso Cruz, nos apresenta uma família - pai, mãe, filho, filha - cartesiana, que acaba de adquirir um exemplar de poeta. Na sociedade em que a narrativa acontece, que facilmente poderia ser a nossa, as pessoas são identificadas por letras e números “B79”, e somente as profissões geradoras de lucro são valorizadas.  Em contrapartida, a subjetividade e a individualidade são colocadas em segundo plano. Até mesmo as expressões conotativas, “Maça do rosto” e “Apertar o cinto” são consideradas esquisitas e incompreensíveis.  A narrativa-poética gira em t...
Sobrevivi… Posso Contar, de Maria da Penha Maia Fernandes
Literatura

Sobrevivi… Posso Contar, de Maria da Penha Maia Fernandes

Ludimilla Barreira* Maria da Penha Maia Fernandes. Qualquer palavra depois desse nome possivelmente será repetitiva e pouquíssimo agregadora aos fatos que o mundo já conhece. Pois é, o mundo. Logo que Maria da Penha Maia Fernandes empresta uma forma mais íntima do seu nome, Maria da Penha, à terceira lei mais moderna no combate à violência doméstica, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).   Pensando em como escrever essas linhas, dediquei-me a algumas leituras, principalmente ao livro Sobrevivi... Posso Contar, que ganhei com dedicatória da própria autora. Além disso, assisti e ouvi diversas entrevistas. Descobri que estudamos no mesmo colégio em Fortaleza, que na nossa época era intitulado escola para moças, o Colégio Juvenal de Carvalho. Ela, aluna dedicada,...
O acontecimento
Literatura

O acontecimento

Luciana Bessa* Em 2022, Annie Ernaux, foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura. Neste instante, fui tomada por uma sensação de alegria e de incredulidade. Confesso: até aquele momento não conhecia a escritora, tampouco sua obra. Mas, saber de que se tratava da primeira escritora francesa a ser premiada pela academia sueca em terras de Victor Hugo (1802-1885), Gustave Flaubert (1821-1880), Marcel Proust (1871-1922), Antoine de Saint Exúpery (1990-1944) é, para mim, um momento único.  Isso sem contar com os franceses que a antecederam contemplados com o Nobel:  Anatole France, 1921, Albert Camus, 1957 e Jean-Paul Sartre, 1964, (mesmo o autor de o Ser e o Nada ter recusando a recebê-lo). Agradeço ao universo por estar viva para registrar esse “acontecimento”, para faz...
Bordados e alguns mosaicos
Literatura

Bordados e alguns mosaicos

Luciana Bessa* Publicado em 2016, Bordados e alguns mosaicos, editora Mondrongo, é uma obra com quarenta e seis poemas da escritora pernambucana, mas radicada em Itabuna, Bahia, Fátima Soriano. Para Aleilton Fonseca, escritor e ensaísta, a poesia de Fátima Soriano “é verbo que brota das vivências cotidianas”. Interessante ler isso, já que geralmente escuto pessoas falarem de sua dificuldade em ler poesia. Em tempos de modernidades líquidas, individualismo, excesso de informações e avanço das novas tecnologias, é necessário plantar poesia para colher, quem sabe, mais afetividade entre os homens. A leitura de Bordados e alguns mosaicos (2016) é importante para não nos esquecermos de quem somos e para não sermos engolidos pelo cotidiano. Poetas como Fátima Soriano nos mostram que ...
O TRÁGICO EM HELENA, DE MACHADO DE ASSIS
Literatura

O TRÁGICO EM HELENA, DE MACHADO DE ASSIS

Luciana Bessa* Na obra Dores do Mundo (1958), o filosofo alemão Arthur Schopenhauer afirma que “Todo o desejo nasce duma necessidade, duma privação, duma dor”. Amar e ser amado é uma das premissas essenciais da existência humana. Tal premissa pode levar à tragicidade, já que nem todos sabem amar.  Sendo um sentimento sempre insatisfeito e exigente, o amor pede dentre tantas coisas, o sentimento da verdade, nada mais que a verdade. Quando isso não acontece, instaura-se o trágico, como na obra Helena (1876), de Machado de Assis. A obra Helena (1876), dividida em 28 capítulos, faz duras críticas à sociedade de seu tempo, século XIX. Ela tem sido lida e relida como uma história romântica entre dois jovens, cujo final é a morte da heroína.  Foi dito que seu autor não passava ...
A mulher com olhos de fogo – o despertar feminista
Literatura

A mulher com olhos de fogo – o despertar feminista

Ludimilla Barreira* Paralisada. Esse é o meu estado sempre que penso em Firdaus, a protagonista do romance A mulher com olhos de fogo – o despertar feminista, escrito por Nawal El Saadawi. Tento escrever sobre essa mulher há algum tempo; nem sei precisar quanto, pois, se contar as vezes em que já olhei para o livro e pensei sobre o que eu poderia escrever, as outras em que estive com a folha em branco na minha frente e o tempo em que escrevo e apago, pois nada faz jus à realidade que ela descreve, são muitas horas, muito mais do que o tempo em que me detive ao ato de ler. A biografia da autora, Nawal El Saadawi, já seria o suficiente para dedicar uma infinidade de caracteres. Ela nos mostra a necessidade da sua atuação e resistência em um país que ainda hoje é um dos piores do mundo ...
Paixão Simples – julgamentos complexos
Literatura

Paixão Simples – julgamentos complexos

Luciana Bessa* Descobri que não conhecia a escritora Annie Ernaux no ano de 2022, quando ela foi agraciada com o prêmio Nobel de Literatura. Estarrecida com o meu desconhecimento, fiz uma rápida pesquisa a seu respeito e, logo a coloquei na minha interminável lista de autoras que preciso ler antes de morrer. Fico pensamento se no post mortem há momentos para a leitura, já que uma vida é insuficiente para ler tudo o que gostaria.  Engolida pelo cotidiano, esqueci-me de Ernaux. Esse ano, a indicação do grupo de leitura @entrelivroseafetos foi a obra Paixão Simples (1991) da autora. Enfim, havia chegado a oportunidade de me encontrar com a primeira mulher francesa a ser premiada pela Academia Sueca. Comecei a ler Paixão Simples (1991) e dei-me conta de que já conhecia o enred...