Tag: Livro

As relações familiares na obra A Casa de Natércia Campos
Literatura

As relações familiares na obra A Casa de Natércia Campos

Luciana Bessa* A família, como é sabido, é o primeiro e o principal grupo familiar que nós humanos integramos. É preciso divisar a família que temos e a família que desejamos. Essa instituição, espaço de contradições, conflitos e harmonia, ao longo dos séculos, tem sido defendida pela Igreja, pelo Estado, sobremaneira, por seus membros para manter um status quo social. Para conservá-la intacta já foram cometidas inúmeras atrocidades, na realidade ou na ficção. A escritora cearense Natércia Campos (1938-2004), filha do contista Moreira Campos, sempre gostou de ler e de escrever. Contudo, somente ao se tornar avó decidiu compartilhar seus escritos com o público.  Estreou na literatura com uma obra de contos, Iluminuras (1988), prêmio na 4ª Bienal Nestlé de Literatura Brasileira. Em seg...
As três Marias
Literatura

As três Marias

Luciana Bessa* As três Marias, Prêmio da Sociedade Felipe de Oliveira, publicado pela primeira vez em 1939, da escritora cearense Rachel de Queiroz, apresenta-nos três mulheres com seus sonhos, suas dores, suas dúvidas e seus medos de ser e de existir: Maria da Glória, Maria José e Maria Augusta, quem nos conta a narrativa. Segundo a própria autora, As três Marias é a sua obra mais autobiográfica, motivo pela qual ela sentiu dificuldade em dissociar realidade e ficção. A semelhança entre Maria Augusta e Rachel de Queiroz são patentes: ambas são cearenses, estudaram em escolas religiosas e se afastaram de tais ensinamentos.  As três Marias, batizadas pela Irmã Germana, lembra-nos as três Marias Bíblicas, as três estrelas do Céu. O apelido pegou, foi tatuado na própria pele, el...
Fim
Literatura

Fim

Luciana Bessa* Nascemos para a morte segundo a filosofia do alemão Martin Heidegger. Partindo dessa premissa, a então atriz Fernanda Torres enveredou-se pelo universo literário com o romance Fim (2013), obra de estreia. Trata-se de um romance que tem cheiro e sabor de finitude. A narrativa gira em torno de um grupo de cinco amigos cariocas “de longa data” complementarmente diferentes uns dos outros, mas unidos pelas farras, orgias, traições, bebedeiras, taras, uso de drogas e de viagra. A obra é, na verdade, uma gangorra entre a pulsão de vida (Eros ou sexual) e a pulsão de morte (agressão, Tânatos), já que somos sujeitos de libido. Ambas as pulsões estão sempre juntas segundo o princípio de conservação da vida. O cenário da narrativa é o Rio de Janeiro das décadas de 1960-1970, u...
Os provisórios
Literatura

Os provisórios

Luciana Bessa* A baiana Helena Parente Cunha (1930-2023) é detentora de uma obra múltipla: cinco livros de poemas, quatro livros de contos, três romances, um infantil e quatro livros de ensaios, com destaque para Aspectos da Literatura de Autoria Feminina na Prosa e Poesia (anos 70 e 80), publicado em 1999. Aclamada na poesia, Helena, “aquela que ilumina”, na década de 1980, publicou o livro de contos Os Provisórios, com trinta textos em uma linguagem fluída, oral e ritmada, cujas personagens centrais são (a maioria) mulheres, com histórias marcadas pelo interditos, pelo controle paterno (“O pai”), violência doméstica (“O olho roxo”), ruptura feminista (“Festa de casamento”), amor obsessivo (“Amor de filha”), relação tóxica (“O triângulo mais que perfeito”), subserviência (“A funcion...
Vamos comprar um poeta
Literatura

Vamos comprar um poeta

Luciana Bessa* É uma crítica ao automatismo e mecanização da vida e das relações humanas. Mas é também um convite ao consumismo afetivo em um mundo distópico. Trata-se de uma poesia escrita em formato de prosa em que o autor, Afonso Cruz, nos apresenta uma família - pai, mãe, filho, filha - cartesiana, que acaba de adquirir um exemplar de poeta. Na sociedade em que a narrativa acontece, que facilmente poderia ser a nossa, as pessoas são identificadas por letras e números “B79”, e somente as profissões geradoras de lucro são valorizadas.  Em contrapartida, a subjetividade e a individualidade são colocadas em segundo plano. Até mesmo as expressões conotativas, “Maça do rosto” e “Apertar o cinto” são consideradas esquisitas e incompreensíveis.  A narrativa-poética gira em t...
Entrevista com Karla Jaqueline Vieira Alves
Literatura

Entrevista com Karla Jaqueline Vieira Alves

Karla Jaqueline Vieira Alves* 01 - Karla Jaqueline Vieira Alves, Mulher Preta do Cariri cearense, além de mãe, é poeta insubmissa, anticolonial e libertária. Como se deu seu encontro com a leitura, especialmente, com a poesia? Eu aprendi a ler na escola, como a maioria das pessoas letradas em nosso idioma institucionalizado, mas, o meu verdadeiro encontro com a leitura se deu na rua através das placas, letreiros em fachadas de prédios, frases escritas nas placas dos caminhões de Romeiros, porque os meus primos andavam comigo perguntando o que estava escrito e eu os informava, momento este em que absorvia o sentido das palavras. Sabendo que eles continuariam a me perguntar quando novamente andássemos juntos pelas ruas, eu me adiantava lendo tudo o que por elas havia escrito, inclusive...
Sobrevivi… Posso Contar, de Maria da Penha Maia Fernandes
Literatura

Sobrevivi… Posso Contar, de Maria da Penha Maia Fernandes

Ludimilla Barreira* Maria da Penha Maia Fernandes. Qualquer palavra depois desse nome possivelmente será repetitiva e pouquíssimo agregadora aos fatos que o mundo já conhece. Pois é, o mundo. Logo que Maria da Penha Maia Fernandes empresta uma forma mais íntima do seu nome, Maria da Penha, à terceira lei mais moderna no combate à violência doméstica, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).   Pensando em como escrever essas linhas, dediquei-me a algumas leituras, principalmente ao livro Sobrevivi... Posso Contar, que ganhei com dedicatória da própria autora. Além disso, assisti e ouvi diversas entrevistas. Descobri que estudamos no mesmo colégio em Fortaleza, que na nossa época era intitulado escola para moças, o Colégio Juvenal de Carvalho. Ela, aluna dedicada,...
Bordados e alguns mosaicos
Literatura

Bordados e alguns mosaicos

Luciana Bessa* Publicado em 2016, Bordados e alguns mosaicos, editora Mondrongo, é uma obra com quarenta e seis poemas da escritora pernambucana, mas radicada em Itabuna, Bahia, Fátima Soriano. Para Aleilton Fonseca, escritor e ensaísta, a poesia de Fátima Soriano “é verbo que brota das vivências cotidianas”. Interessante ler isso, já que geralmente escuto pessoas falarem de sua dificuldade em ler poesia. Em tempos de modernidades líquidas, individualismo, excesso de informações e avanço das novas tecnologias, é necessário plantar poesia para colher, quem sabe, mais afetividade entre os homens. A leitura de Bordados e alguns mosaicos (2016) é importante para não nos esquecermos de quem somos e para não sermos engolidos pelo cotidiano. Poetas como Fátima Soriano nos mostram que ...
O TRÁGICO EM HELENA, DE MACHADO DE ASSIS
Literatura

O TRÁGICO EM HELENA, DE MACHADO DE ASSIS

Luciana Bessa* Na obra Dores do Mundo (1958), o filosofo alemão Arthur Schopenhauer afirma que “Todo o desejo nasce duma necessidade, duma privação, duma dor”. Amar e ser amado é uma das premissas essenciais da existência humana. Tal premissa pode levar à tragicidade, já que nem todos sabem amar.  Sendo um sentimento sempre insatisfeito e exigente, o amor pede dentre tantas coisas, o sentimento da verdade, nada mais que a verdade. Quando isso não acontece, instaura-se o trágico, como na obra Helena (1876), de Machado de Assis. A obra Helena (1876), dividida em 28 capítulos, faz duras críticas à sociedade de seu tempo, século XIX. Ela tem sido lida e relida como uma história romântica entre dois jovens, cujo final é a morte da heroína.  Foi dito que seu autor não passava ...
A mulher com olhos de fogo – o despertar feminista
Literatura

A mulher com olhos de fogo – o despertar feminista

Ludimilla Barreira* Paralisada. Esse é o meu estado sempre que penso em Firdaus, a protagonista do romance A mulher com olhos de fogo – o despertar feminista, escrito por Nawal El Saadawi. Tento escrever sobre essa mulher há algum tempo; nem sei precisar quanto, pois, se contar as vezes em que já olhei para o livro e pensei sobre o que eu poderia escrever, as outras em que estive com a folha em branco na minha frente e o tempo em que escrevo e apago, pois nada faz jus à realidade que ela descreve, são muitas horas, muito mais do que o tempo em que me detive ao ato de ler. A biografia da autora, Nawal El Saadawi, já seria o suficiente para dedicar uma infinidade de caracteres. Ela nos mostra a necessidade da sua atuação e resistência em um país que ainda hoje é um dos piores do mundo ...