Tag: Ludimilla Barreira

Voraz, grandiosa e disposta
Literatura

Voraz, grandiosa e disposta

Ludimilla Barreira Na borda da plataforma, sentia a imensidão do vazio debaixo dos meus dedos dos pés, enquanto pisava na aridez do cimento com meus calcanhares. Era o momento da decisão entre o nada e a firmeza do concreto. Mirava o ponto onde se fundem céu e mar. Respirava fundo. Retirava o pé direito da base. Prendia a respiração. Pisava no desconhecido. Durante a queda, apenas a certeza do vazio, até o momento em que mergulhava na água, quando você não sabe se é ela que te fura ou o contrário. Esse elemento essencial da vida pode ser tranquilo ou perturbador, depende da sua resistência. Do alto parecia um vidro blindado que não se romperia com o peso do meu corpo, mas, quando atingido, abria-se para me sugar e se entranhar em todos os lugares. Enquanto afundava com meu peso, s...
Eu não odeio as mulheres
Literatura

Eu não odeio as mulheres

Ludimilla Barreira Experimentava mais um café superfaturado e me deliciava com uma enorme fatia de bolo, enquanto esticava os ouvidos procurando entretenimento nas mesas ao lado, e achei. Me divertia pensando que todo observador, na verdade, é um grande curioso, para não dizer intrometido. A humanidade não nos surpreende, ela é mais previsível que as mudanças meteorológicas. Como o som de um bumbo, ainda ressoa em minha consciência o diálogo que flagrei entre um homem e uma mulher. Lá pela metade da conversa, surgiu a questão: — Por que você odeia tanto as mulheres? Eu já fazia parte da cena, era uma curiosa espectadora daquele momento comovente. Talvez, se ele não fizesse essa pergunta, eu teria parado ao lado dela para questioná-la.  Afinal, enquanto me aquecia com a xícara e...
Incômodo
Literatura

Incômodo

Ludimilla Barreira* Sentada no canto da cama, olho para o espelho e vejo o reflexo da desesperança. Levanto o olhar, na tentativa de lutar contra o torpor, mas é em vão. Não me reconheço. Enxergo apenas um amontoado de massa murcha que se movimenta lentamente, acompanhando a respiração. Parece que essa sou eu. Estou reduzida a essa casca? Cada vez que fecho os olhos, na tentativa de gravar o que vejo, percebo que me transformo, em uma velocidade cada vez maior, em algo que desconheço. No escuro da minha intimidade, abro as gavetas da minha mente, procurando as memórias que se conectam às imagens que se desfazem a cada piscada. Encontro papéis, mas não consigo ler as palavras, pois se desmancham em pequenas partículas ao tocar as minhas mãos, formando nuvens de poeira. Elas me sufo...