Alexandre Lucas*
Não deu para esquecer a indiferença. Naquele dia não teve festa, nem morte, mas tinha quase 45 anos envolvidos e a descrença alheia. Mentirosa, exagerada, chata e outras coisas que esqueço é vendaval de sinônimos que tatoo na alma. Rostos pálidos e silenciosos capazes de escavar minha cabeça. Faltou brilho, sobrou desvio de olhar.
É como se tivesse nua gritando por socorro e ninguém pudesse escutar. Como se tivesse num país desconhecido em que a minha língua fosse estranha e ainda estivesse invisível.
Precisava dizer para o mundo que fui violada, sem viola e sem verso florido. Homens e mulheres me tocaram com suas palavras de arames farpados. Sentir o roçado de cada palavra nos meus pensamentos: dói, sangra e revolta. Sentir também o peso da mão, da sandália e do fogo na carne sem intervalos distantes.
Fui a besta fera, pelo menos fui atentada a acreditar. Tenho minhas dúvidas sobre minhas crenças. Um nazista ensinou que uma mentira dita mil vezes se torna verdade. Será mesmo que não sou a besta fera? Hoje duvido.
Tenho mais liberdade em falar com as paredes, a interação é maior. Não precisa acreditar, pelo menos sei que estou falando com algo que não tem alma, dói menos.
O laudo saiu e atesta que sou inocente, nem pura, muito menos virgem, apenas enganada.
*Escrevedor