Muito além de carpinteiro, bilheteiro. Muito além disso, era um orgulho ser chamado de poeta. Raimundo Lázaro Ribeiro, nascido em 21 de setembro de 1924 em Campos Sales, no Ceará, que foi sua morada durante toda sua vida, escrevia suas rimas em qualquer pedaço de papel que tivesse espaço para alguns rabiscos. Muito conhecido em sua cidade, era teimoso, pois persistia em tudo que fazia, forte, foi guerreiro, venceu um câncer no auge dos seus 80 anos. Sabia que a vida nunca era fácil para ninguém, mas em meio às dificuldades tinha seus momentos de graça e adorava fazer rima.
Suas rimas eram sempre em formato de cordel, umas muito engraçadas, outras bem sérias e de cunho político, de tudo ele rimava, escrevia tudo o que via, principalmente se aquilo que ouvia lhe causasse estranhamento. Juntava tudo em pedaços de papéis e depois sentado e sossegado escrevia sem parar. De pouco estudo, mas conhecedor da vida e dos costumes, relatava tudo com perfeição, sabia a métrica da rima sem nunca ter estudado para isso.
Escrevia sobre o homem, a mulher, sobre as ruas, sobre seus vizinhos, filhos, netos e amigos, mas escrevia também sobre política e religião. Cantarolava, aqui e acolá umas canções que considerava ser canções de amor, e a missa não perdia um dia. Devoto do Divino do Pai Eterno, todo dia colocava água para benzer e curar o mal do corpo, como ele mesmo dizia, afinal foi o Divino quem lhe curou do câncer, e isso ele fazia questão de dizer e rimar.
Por onde passava alguém lhe pedia: seu Raimundo faz um verso disso, faz um verso daquilo, era sua alegria. Sentava todas as tardes na calçada em sua cadeira de balanço, encantando a todos que passavam por lá. Mas a alegria maior foi ter escrito um cordel que ficou famoso lá pelas bandas da capital (Brasília) no ano de 1986 chamado de “A nova lei do cruzado combatendo a inflação”, cordel esse que chegou nas mãos do presidente José Sarney e foi respondido por ele. O cordel fala do aumento dos produtos, e como as pessoas mais pobres sofreram com essa inflação, como também traz um ato de agradecimento ao Presidente da República pelo decreto que congelou o preço dos produtos, principalmente daqueles que mais doiam no bolso da população mais carente, que foi o gás, o combustível, a carne, arroz e o indispensável cafezinho. Tem rimas envolventes e que nos lembram a gestão dos anos de 2018 a 2022, com o aumento contínuo e generalizado dos preços em nossa economia.
[…] tem o problema da carne
isso é que me dá desgosto
o pobre vai ao açougue
comprar carne pro almoço
porém a carne melhor
foi vendida pros café
do preço que o rico come filé
o pobre come o pescoço
[…] quando sobe a gasolina
subia o óleo e o gás
cuidava em remarcar tudo
Assim é o que o rico faz
mas isso já não existe
agora está tudo triste
porque não remarca mais
[…] Ai de quem desobedece
saindo fora da lei
remarcando seus produtos
achando que não é fei
estes, podem ser multados
se brincar é processado
tem que respeitar Sarney
Raimundo Lázaro Ribeiro, homem de conhecimento envolvente, mas que não teve a sorte do reconhecimento literário, pois infelizmente a cultura muitas vezes banalizada não lhe deu o privilégio de prosseguir. Mas deixou legado, e vários papéis cheios de sua humilde caligrafia. Viveu até seus 95 anos rimando e alegrando quem o conhecia. Rimava e assinava no fim “aqui deixo gravado meu nome pra quem gosta de mim”.
[…] Eu peço desculpa a todos
não agravando ninguém
no céu vale quem merece
na terra vale quem tem
precisa todos saber
se rico pode viver
o pobre pode também
[…] Aqui termino meu verso
para todos brasileiros
moro aqui em Campos Sales
sou poeta e bilheteiro
sou pobre, porém sou homem
aqui assino meu nome
Raimundo Lazaro Ribeiro
de sua Neta, Taynara
Licenciada do Curso de Letras