Recentemente estamos tendo a oportunidade de observarmos alguns fenômenos interessantes na Região do Cariri, do ponto de vista da Organização da Sociedade Civil. Um deles consiste na união dos Pontos de Cultura, formando rede para fortalecer a luta. O outro, no processo de reivindicação para o aumento do fomento à projetos culturais ligados à instituições do terceiro setor. A palavra de ordem é: “2% para a cultura”!
Mas, afinal, o que significa essa reivindicação? Quando solicitamos um orçamento maior para a cultura à que estamos nos referindo? O que compreendemos como “cultura”?
Inicialmente podemos afirmar que os seres humanos são criadores e criaturas da cultura. A cultura constitui um “mundo humano”. Porém, nem sempre humanizado. Se compreendermos a cultura como forma de “cultivo” dos valores e costumes de uma sociedade, temos de reconhecer também que, por essa perspectiva, cultivamos também o machismo e o racismo estruturais. Nos acostumamos a ver os anjos todos como brancos, o sagrado como branco, o poder supremo como masculino, etc..
Sendo assim, temos de compreender que não basta buscar recursos para a cultura. Afinal, no campo da política, que se caracteriza por relações de poder, também percebemos que se cultiva a ideia de que investir na cultura seria secundário, desnecessário. O que exigiria uma mudança nas referências culturais.
Sendo assim, o que, de fato, queremos? Não queremos dinheiro para a cultura do ódio, da xenofobia, do racismo, do machismo, etc.. É justamente o contrário disso. Sabemos que nós, da sociedade civil organizada, inseridos em nossas comunidades, temos o potencial de fomentar mudança de visão de mundo, gerando mudança de comportamento e atitude, despertando a consciência crítica, transformando a realidade. Tudo isso por meio de uma práxis libertadora que já faz parte de nossa dinâmica nos nossos trabalhos comunitários. É nesse “lócus” que buscamos desconstruir as referências culturais colonialistas e opressoras. Dialogando com a diversidade, inserido na comunidade, cultivando valores éticos, gerando participação, cidadania, emancipação. Queremos cultivar espaços onde a educação formal não consegue chegar, onde o prazer de aprender vem pela linguagem da arte. Uma arte não sequestrada pela cultura de massa, onde o que importa é vender para acumular e ostentar, onde se canta e se exalta a desigualdade de gênero, transformando a mulher em objeto. Nós, da periferia da cultura capitalista, queremos libertar nossas crianças, adolescentes e jovens da massificação das redes sociais, capaz de produzir a violência gritante que estamos vendo em nossas escolas atualmente, tendo como consequência um adoecimento social pelo aumento da ansiedade, da insegurança, da histeria coletiva.
No fundo, sabemos que é justamente por isso que temos tantas dificuldades de acessar fomentos para os nossos trabalhos, os nossos projetos, as nossas práxis. Porém, não podemos repetir o mesmo erro histórico que nos colocou na obscuridade da barbárie comandada pela extrema direita. Temos que cultivar – tornar referência cultural – o ato da mobilização, da manifestação, da reivindicação coletiva pela organização popular, nas bases.
Queremos 2% para cultivarmos uma revolução cultural que só poderá ocorrer através dos movimentos inseridos nas comunidades, nas “periferias” do poder, nos lugares onde a arte faz parte da vida.
Carlos Alberto Tolovi é professor do curso de Ciências Sociais da URCA.