Luciana Bessa
De natureza solitária e melancólica, frequentar festas nunca foi uma opção. O barulho ensurdecedor, o cheiro de bebidas, o jogo de luzes em um ambiente abafado, sempre foram um convite para estar comigo mesma.
Em uma sociedade marcada pela violência, a inversão de valores, racismo e a corrida desenfreada para comandar as instâncias de poder, festa, para mim, significava estar ao lado de pessoas que pudessem me desafiar com suas indagações, como é o caso de Clarice Lispector, que me apresentassem a luta de mulheres que eu pouco ou nada sabia, como Conceição Evaristo, ou mesmo, conhecer o amor através de um poeta gauche, Carlos Drummond de Andrade, que na curva dos cinquenta derrapou nesse sentimento.
Mudam-se os tempos, mudam-se as pessoas (aprendi com Camões), mudam-se as festas. De uns tempos para cá, elas passaram a ter aquilo que me faz viajar por países desconhecidos, com línguas que gostaria de aprender, com pessoas que adoraria fazer amizade e partilhar de suas histórias: os livros.
Marquei de ir a uma delas: a FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. Idealizada por uma mulher, a inglesa Liz Calder, e apoiada por alguns amigos visionários, que acreditam no poder de transformação por meio da Cultura, a FLIP nasceu em 2003, na Costa Verde, do Rio de Janeiro.
Um dos amigos de Calder, fundadora da Bloomsbury, que lançou J.K Rowling, Salman Rushdie e Julian Barnes, é o também inglês e historiador Eric Hobsbawm, autor da obra Era dos Extremos: o breve século XX. Foi breve, de 1914 a 1999, mas com terríveis catástrofes: a I e a II Guerra Mundial. Ou seja, ele nasce e termina marcado pela desordem, desestruturação entre as nações e milhares de mortes
Em decorrência desses fatos, inúmeras mudanças ocorreram nas instituições, na vida política, econômica e cultural da população. A arte, de modo geral, a Literatura, passou por profundas transformações a ponto do questionamento: Qual o papel das artes (literárias) nesse contexto?
Tais mudanças continuam em tempos do fortalecimento das mídias digitais, em que com um click, você pode baixar o livro ou escutá-lo. Isso sem contar com a pouca valorização, no âmbito escolar, da leitura literária. O escritor e a escritora tornam-se entidades solitárias e, algumas vezes, culturalmente marginais. A lírica caminha em total descompasso com seu meio.
Passados 20 anos da criação da FLIP, a ideia que nos fica é que a Literatura nos humaniza, nos arranca de nossa zona de conforto e nos faz pensar para além do nosso umbigo. Além disso, a FLIP inseriu o Brasil nos principais festivais literários e tornou-se uma vitrine da cultura brasileira ao redor do mundo.
As festas literárias promovem encontros entre os moradores e os visitantes, estabelecessem amizades, propiciam trocas de conhecimentos, aproximação entre diferentes tipos de artes, ocupação dos espaços, fortalecimento da cultura, divulgação de escritores (as) e de suas obras, nascimento de novos leitores e, com eles, a possibilidade de construção de uma sociedade equitativa. Vamos à Festa?
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)