Shirley Pinheiro*
O primeiro gole escorre pela minha garganta com a promessa de aquecer meu colo. De dentro pra fora, o sangue decora minha pele. O segundo gole é para acostumar o paladar. Um leve formigamento nos ombros denuncia minha falta de costume. O terceiro gole é pelo prazer. A língua saboreando cada mísero contato com o álcool, pelo simples desejo de prolongá-lo. O quarto gole ainda é poesia, enganchada no sorriso que se atreve, em detrimento dos olhos tristes.
Os próximos são disfarces. Minhas veias sangrando pelo desejo de embriagar-se. Um esconderijo ineficaz para o que não é dito. Uma porta escancarada para as lágrimas que se aprisionam.
Se houvesse justiça, tua embriaguez também seria por tristeza. E cada gole também carregaria uma prece. Ah, look at all the lonely people! Mas a distância se faz casa e meu sangue agora pulsa pela genética desprezada, ainda sufocada pelos segredos de uma vida. Qualquer semelhança, a nós prometida, nos soa como uma ofensa.
Só que não me encontro embriagada. Essa desesperança é tão minha quanto a cólica que me dobra todos os meses. Mas também há beleza em dançar sozinha, no escuro, ao som de músicas tristes. All the lonely people, where do they all belong?
Às estrelas que não caíram.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
*Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri.