Luciana Bessa
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O espaço é pequeno para mostrar a vivacidade de João Ubaldo Ribeiro, romancista, contista e cronista, dono de uma escrita contundente sobre seu tempo. Nascido em 23 de janeiro de 1941, na ilha de Itaparica (BA), Ubaldo é filho de Maria Filipa Osório e Manuel Ribeiro, político e professor, que não concebia que uma criança, aos sete anos de idade, não soubesse ler e escrever. Contratou um preceptor para ajustar essa falha. A exigência de seu pai fez nascer, para além de um leitor profícuo, um escritor ganhador do Prêmio Camões e criador de uma obra celebrada pelo público e legitimada pela crítica especializada: dez romances, dois livros de contos, sete de crônicas e três infantojuvenis.
Há, ainda, um infindável número de textos publicados na imprensa brasileira – O Globo, O Estado de São Paulo e estrangeira – Frankfurter Rundschau (Alemanha), Die Zeit (Alemanha), The Times Literary Supplement (Inglaterra), O Jornal (Portugal). Ubaldo sempre destacou os fortes laços que o uniam ao jornalismo, que além de ter contribuído para aprimorar sua escrita, o ajudou financeiramente, dada as dificuldades de se viver exclusivamente da literatura no Brasil.
Em 1971, em sua segunda obra, corrige os desajeitos cometidos na primeira, e recebe o Prêmio Jabuti (1972) com o Sargento Getúlio. Adaptada em 1983 para o cinema, foi um espetáculo à parte protagonizado pelo ator Lima Duarte. Inspirado nas histórias do pai, que além de advogado, fora chefe da Polícia Militar em Aracaju e Sergipe, João Ubaldo criou uma das personagens mais controversas da literatura brasileira. Homem embrutecido e violentado pela vida, Sargento Getúlio, para quem missão dada era missão cumprida, adotou o código de Hamurabi – olho por olho, dente por dente – para sobreviver. O homem, que para lavar sua honra, mata sua própria esposa grávida por tê-lo traído, é o mesmo que, recebe a missão de escoltar um preso até Aracaju. A missão é abortada, mas Getúlio, matador profissional com um código de ética rígido, cuja linguagem é a bala e a faca, não abandona seu encargo.
Na década de 1980, outro Jabuti com o romance Viva o Povo Brasileiro (84), uma narrativa histórica e literária, de cunho nacionalista com traços de ironia e muito bom-humor sobre a identidade de um Brasil formado por um povo curioso e diverso, que luta para conquistar um discurso uno em torno de questões políticas, literárias, sociais e econômicas, mas que está bem longe de conseguir, principalmente depois desse último desastroso governo.
Ainda em meados dos anos 80, conhecemos O Sorriso do Lagarto (89), também adaptado para a TV. Nessa obra, o mal que aliena e endurece a gente humana é a protagonista da história vivida pelas personagens João Pedroso (biólogo), Ângelo Marcos (político corrupto) e sua esposa Ana Clara (mulher fútil) preocupada apenas com as regalias do casamento até se apaixonar por João. Falta de caráter, de ética, degradação humana, engenharia genética, homossexualidade, o uso de drogas pela elite e o papel da igreja são alguns temas com os quais o leitor precisa lidar.
A força das tramas ubaldianas, marcadas por um engajamento social, esculpidas por meio de uma linguem crítica, forte e irônica, acabam se tornando um convite para o leitor entrar em contato com o mais íntimo da raça humana e seus (podres) valores. “Contra as belas letras, a contrafação, o elitismo” o autor de A Casa dos Budas Ditosos (1999) dizia viver em busca do verbo brasileiro para aguçar a consciência de nós mesmos, brasileiros. E viva João Ubaldo Ribeiro!