Autor: Nordestinados a Ler

Ricardo Tabosa em metendo a boca:  uma experiência catártico-lírica
Cultura

Ricardo Tabosa em metendo a boca:  uma experiência catártico-lírica

Émerson Cardoso Engana-se quem pensa que metendo a boca, título instigante e provocativo do monólogo do ator Ricardo Tabosa (que ele dirige em parceria com a talentosa diretora Elisa Porto), entrega de forma explícita sua proposta temática. Leia esse título, enfatizo, com vistas a observá-lo com toda a força polissêmica que ele concentra em suas camadas profundas e prepare-se, pois Rafael Martins cria um texto dramático de apuro estético incomensurável.   Minha afirmação parte de duas experiências vivenciadas ao assistir a essa peça no sábado e no domingo, dias 12 e 13 de julho de 2025, no Centro Cultural do Cariri. A primeira experiência diz respeito ao entusiasmo de ver um ator em perceptível domínio do seu ofício. A segunda tem a ver com a identificação imediata e comove...
Os dois dedos na garganta
Literatura

Os dois dedos na garganta

Alexandre Lucas Engasgou-se com alfinetes. Tarde de domingo, os lençóis secam ao sol. A criança vai para algum lugar, pendurada no tuntum do pai. O bar tocava a música de retalhar corações; duas mesas e olhares perdidos se encontravam por ali. Na calçada, o senhor de cabeça branca limpa as unhas dos pés com uma peixeira, enquanto, no pé da porta, a mãe catava os piolhos da filha. Os vestígios das pipas balançam presos nas árvores, e os meninos sobem para colher azeitonas. A paisagem é uma calmaria. Engasgado, no último andar: portas fechadas, janelas abertas. Um blues para acalmar e esconder a agonia. Os alfinetes travam as palavras, furam a garganta. Alguém bate na porta — é o vendedor de orações. O silêncio responde; o vendedor segue outro caminho. Engasgado, enfia ...
Periferia morta, povo vivo
Política

Periferia morta, povo vivo

Alexandre Lucas A periferia não é para ser espaço de orgulho. Ela surge como consequência desastrosa e perversa do modelo capitalista. É fruto das relações de exploração e opressão. A distribuição desigual da economia estratifica sócio espacialmente. De um lado, os excluídos e, do outro, os incluídos; de um lado, os que podem comprar os direitos e, do outro, os que têm os direitos negados. Romper com a romantização da periferia é uma necessidade humanitária. A estética periférica ou os estereótipos da periferia não devem ser percebidos como instância limitante; pelo contrário, devem servir como ponto de partida para abarcar novos horizontes e reafirmar que outra sociabilidade é possível, baseada no direito coletivo do espaço urbano, com redução dos impactos ambientais, socialização d...
Bilhete para pequena flor
Literatura

Bilhete para pequena flor

Alexandre Lucas Lua crescente. O cheiro do cachimbo massageava como mãos. O chão era o assento da conversa. Pés descalços. Copos de barro. Luzes apagadas. O brilho da boca pronunciava dança. Bebia o espremido do limão com o gosto esparramado da hortelã. A meia-noite se aproximava e o pôr do sol não foi adiado. Dançava consagrando o instante, ritual sagrado do afeto. O cheiro das ervas percorria os olhos, fazendo rios na imaginação. Os dedos andavam com calma, tentando escutar a respiração; provável que quisesse ler a palma da alma. Vasculhou as pastas para sentir as cores, as formas e as texturas. Escolheu três imagens e deixou um rio, cheio de pequenas flores, que vão como barcos no balanço das águas. Julho é frio, venta e pede abraço. As ervas para o chá estão guardadas, espe...
Crítica: Na Praia à Noite Sozinha (2017)
Literatura

Crítica: Na Praia à Noite Sozinha (2017)

Natalia Silva Há filmes que contam histórias e há filmes que nos fazem olhar para dentro. Na Praia à Noite Sozinha do diretor sul-coreano Hong Sang-soo, pertence a essa segunda categoria: não é um filme que se apressa ou que busca agradar. Ele é, antes de tudo, uma pausa. Uma pausa rara e necessária em tempos em que tudo parece exigir respostas imediatas. Young-hee, interpretada de forma brilhante por Kim Min-hee, é uma atriz que se afasta do cenário público após um relacionamento com um diretor de cinema casado. Ela parte para a Europa tentando se distanciar da dor, da culpa, da exposição. Mas quando retorna à Coreia do Sul, percebe que a solidão e o arrependimento seguem presentes e discretos, mas firmes. O filme se move por paisagens frias e silenciosas, onde as conversas são q...
Duína: uma suíte em silêncio
Literatura

Duína: uma suíte em silêncio

Luciana Bessa Depois de quatro livros de contos publicados, a escritora paraibana Marília Arnauld, em 2012, nos apresenta seu primeiro romance, Suíte de Silêncios, centrado na protagonista Duína Torealba, uma violinista frustrada e entorpecida pela dor de ser e de estar no mundo. O termo suíte pode ser interpretado a partir de duas concepções: 1) quarto com banheiro privativo. Neste espaço, as personagens lambem suas dores. 2) na música, uma sequência de peças instrumentais com a mesma tonalidade, mas com andamentos diferentes que formariam uma composição. A estrada palmilhada é uma sequência de dores vivenciadas pela protagonista. Quanto ao silêncio, ele acontece no exterior das personagens, pai, mãe, filhos, que ao não verbalizarem suas agonias e seus lutos, tornando-se pessoas ens...
O velho câmera
Sem categoria

O velho câmera

Alexandre Lucas Buscava respostas para as preocupações como se a madrugada respondesse alguma coisa. Os cachorros latiam para cada mexido de gente. O velho por trás da porta segurava as suas incertezas e tentava colher alguma novidade, um simples bom dia para conforta a sua solidão. O homem corcunda passa cedo para ir ao mercado, junta lavagem para os porcos. A bodega abre as seis horas. Os cachorros correm. O homem ensaca frangos dentro da D20. A mulher passa para comprar o pão fiado, paga quando puder. O velho por trás da porta monitora o movimento da rua, o homem câmera. Os pombos buscam os milhos que restaram, caminham como velhas mancas. A senhora que acorda cedo espana a parede para tentar escutar melhor as conversas. O velho por trás da porta chora. Já não tem mãe, nem p...
Dorinha foi pra rua
Literatura

Dorinha foi pra rua

Alexandre Lucas Abria Eduardo Galeano – Dias e Noites de Amor e Guerra. Peço um café. Sou interrompido com um bom dia. Uma companheira de luta, cujo nome desconheço, me oferece um exemplar do A Verdade. Antes de comprar, conversamos rapidamente. Pedi dois exemplares, mas, como boa militante, só restava um. Saiu, deixando pólvoras de esperança. Era manhã de sábado. Aos sábados, visito o centro da cidade para bisbilhotar e fazer as apostas do meu pai, que sonha em ganhar na loteria. Aproveito sempre para tomar café e ler algumas páginas; às vezes, ganho companhia, que não atrapalha em nada a leitura. No balcão, leio A Verdade entre goles de café. Paro a leitura. A mulher pede uma dose sem equilibrar as palavras e as pernas. Pergunta se posso pagar uma dose; ofereço ...
Parede laranja
Literatura

Parede laranja

Alexandre Lucas Fecho o livro. O menino olha fixamente para a parede cheia de palavras, sua mão segura o queixo e tapa a boca. As palavras não fazem sentido algum quando não se sabe ler.   O menino até tentava juntar as letras para soletrar nexos.   A parede recebe a fúria e a ternura, as dúvidas e os desencontros. É permitido escrever na parede laranja, uma lousa transformada num confessionário público, a censura quase não existe. A gramática tem regras, e a linguagem é uma liberdade rodeada de grades. A parede laranja é um começo para romper com as palavras engasgadas no medo e nos arames farpados das normas do silêncio.   O menino que lia o que não sabia descrever já não estava mais na sala, impossível quantificar as suas leituras.   A parede...
Eco
Literatura

Eco

Geysi dos Santos A vida é um eco, um vasto rio, Onde cada palavra, um seixo atirado. Causa e efeito, um eterno fio, O que se diz, jamais apagado. Pois a boca profere, mas o ar leva, E a mente recorda, o tempo não cala. Todo dito tem sua própria seiva, E a colheita, um dia, nos fala. Sobre a autora: Geysi dos Santos - Estudante e integrante do Clube da Palavra do Colégio Municipal (Crato)